Oito mortos e dois refugiados políticos. Crime comum?
por Hugo Souza
O caso do doleiro Toninho da Barcelona, condenado a exagerados 25 anos de cadeia mais por ser o "doleiro do PT" e menos por ser um simples doleiro, mostra que no Brasil ainda se corre o risco de os rigores da lei serem instrumentalizados para fazer de contraventores comuns presos políticos encarcerados em presídios de segurança máxima. Por outro lado -- senão o mesmo -- os desdobramentos do sequestro e assassinato em 2002 do então prefeito de Santo André, Celso Daniel, fizeram com que dois brasileiros tenham sido declarados como refugiados políticos no exterior, mais de 20 anos após o fim da ditadura militar no Brasil.
Ameaçados de morte por insistir na elucidação do sequestro e da morte do petista, Bruno José Daniel Filho e Marilena Nakano, irmão e cunhada de Celso Daniel, e seus três filhos deixaram o Brasil rumo à França em março de 2006. Lá, entraram com um pedido de asilo político junto ao Ofício Francês de Proteção aos Refugiados e Apátridas (OFPRA), órgão competente para avaliar solicitações de abrigo a pessoas que sofrem perseguição política em seus países de origem.
Para isto, apresentaram ao OFPRA depoimentos de amigos e reportagens de jornais brasileiros que relatavam as ameaças. Pedido feito, pedido aceito: foram reconhecidos pelo governo francês como cidadãos brasileiros perseguidos politicamente e, portanto, dignos de acolhimento em um país que lhe garanta segurança física e liberdade de expressão.
Não lhes faltaram razões para temerem ser mortos caso permanecessem no Brasil. Aqui, Bruno Daniel e Marilena Nakano lutavam para descobrir as razões e os mandantes do assassinato. O problema é que, ao que tudo indica, a mera possibilidade de as reais motivações do crime virem à tona já deixou mais sete cadáveres pelo caminho, além do próprio Celso Daniel.
Três meses depois da morte do ex-prefeito, o detento Dionísio Severo foi morto na cadeia, apenas dois dias depois de ter dito que teria informações sobre o caso. Ele foi apontado como o contato entre o empresário Sérgio Sombra, acusado pelo Ministério Público do estado de São Paulo de ser o mandante do crime, e os autores do assassinato. Dionísio Severo foi resgatado da cadeia, de helicóptero, dois dias antes da morte de Celso Daniel, sendo depois recapturado. O homem que abrigou o foragido neste meio tempo, Sérgio "Orelha", também foi morto. Otávio Mercier, investigador de polícia que ligou para Severo na véspera do sequestro de Celso Daniel, levou dois tiros dentro de sua casa.
Sem perder a conta -- Depois de Celso, Dionísio, Sérgio "Orelha" e Otávio -- a lista de cadáveres foi acrescida com o de Antonio Palácio de Oliveira, garçom que na noite do sequestro do ex-prefeito serviu a mesa de uma churrascaria em São Paulo em que estavam Celso Daniel e Sérgio Sombra. Foi morto em fevereiro de 2003. Portava documentos falsos e tinha recebido um depósito de R$ 60 mil em sua conta corrente.
Vinte dias depois foi a vez de Paulo Henrique Brito, única testemunha da morte do garçom Antonio Palácio de Oliveira. Em dezembro de 2003, o agente funerário Ivan Moraes Rédua levou dois tiros pelas costas. Ele havia sido o primeiro a reconhecer o corpo de Celso Daniel, ainda jogado na estrada, e a chamar a polícia.
Até aqui, a última morte suspeita ligada ao caso foi a do médico-legista Carlos Delmonte Printes, que examinou o cadáver de Celso Daniel. Ele dizia que o ex-prefeito de Santo André foi brutalmente torturado antes de ser assassinado. O doutor foi encontrado morto em seu escritório na Zona Sul de São Paulo, no dia 12 de outubro de 2005. O laudo oficial sobre a morte do legista concluiu que ele cometeu suicídio.
Menos de um mês antes de morrer, Carlos Delmonte Printes foi ao Programa do Jô, da Rede Globo. No ar, disse que recebeu pressão de políticos para que concordasse com a hipótese de crime comum, que considerava "inverossímil". Ele disse ainda: "Eu fui proibido de falar pelo diretor do Instituto Médico Legal. Bem mais tarde, depois que eu comuniquei o fato ao Ministério Público, eles alegaram que era para a minha proteção e em seguida foi decretado segredo de Justiça".
Entre os políticos que o teriam pressionado, Carlos Delmonte Printes citou o deputado petista Luiz Eduardo Greenhalgh. Curiosamente, foi também Greenhalgh o petista acusado de dar tapas na cara de Rodolfo Rodrigo do Santos, o "Bozinho", para que o bandido confessasse o assassinato de Celso Daniel. Bozinho confessou, mas depois voltou atrás, alegando ter admitido o crime sob tortura.
Luiz Eduardo Greenhalgh, aliás, foi o petista derrotado na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados no início de 2005. O vencedor foi o candidato "independente" Severino Cavalcanti. Entre o que o doleiro Toninho da Barcelona diz saber, está a informação de que o PT compensou a derrota de Greenhalgh com a compra do apoio de Severino ao governo pelo preço de R$ 8 milhões.
E mais: entre o que Toninho -- o da Barcelona -- diz ainda saber e não o deixam contar estão informações sobre remessas ilegais para o exterior de dinheiro proveniente de empresas de transportes da cidade de Santo André, o que pode esclarecer algo sobre o assassinato do prefeito da cidade. Como se sabe, a hipótese de crime político para a morte de Celso Daniel provém da suspeita de que ele não concordava com um esquema de propina envolvendo estas empresas - esquema que serviria para financiar campanhas do PT.
Em janeiro deste ano, o advogado Hélio Bicudo tornou públicas duas cartas enviadas da França por Bruno Daniel e Marilena Nakano, uma endereçada a ele próprio, a outra destinada à presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie. À ministra, os dois expressam preocupação com o fato de Sérgio Sombra ter enviado ao Supremo uma solicitação na qual contesta a constitucionalidade do poder de investigação do Ministério Público.
Também em janeiro, Bruno Daniel concedeu entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo na qual acusa o chefe do Gabinete Pessoal da Presidência da República, Gilberto Carvalho, de ter levado dinheiro de um esquema de financiamento do PT para o ex-presidente do partido, José Dirceu. Bruno Daniel disse ainda ao Estado que Gilberto Carvalho não teria feito "nada de concreto" para esclarecer o crime.
Gilberto Carvalho respondeu dizendo que a atitude de Bruno Daniel e Marilena Nakano de buscar asilo político na França é fruto de uma "opção pessoal". Sobre a vontade dos dois de retornar ao Brasil, o assessor do presidente Lula disse ainda que "somos um país democrático, com todas as instituições funcionando em plena normalidade. Sua volta ao Brasil é bem-vinda".
Sobre a lista de oito cadáveres, de Celso Daniel ao legista Celso Delmonte Printes, Gilberto Carvalho não falou. No entanto, caso seguisse a mesma postura, poderia se valer da frase que no terceiro filme da trilogia de Francis Ford Coppola a filha de Dom Corleone ouviu do primo mafioso quando perguntou se era verdade que o pai havia mandado matar o próprio irmão: "São apenas histórias".
Ameaçados de morte por insistir na elucidação do sequestro e da morte do petista, Bruno José Daniel Filho e Marilena Nakano, irmão e cunhada de Celso Daniel, e seus três filhos deixaram o Brasil rumo à França em março de 2006. Lá, entraram com um pedido de asilo político junto ao Ofício Francês de Proteção aos Refugiados e Apátridas (OFPRA), órgão competente para avaliar solicitações de abrigo a pessoas que sofrem perseguição política em seus países de origem.
Para isto, apresentaram ao OFPRA depoimentos de amigos e reportagens de jornais brasileiros que relatavam as ameaças. Pedido feito, pedido aceito: foram reconhecidos pelo governo francês como cidadãos brasileiros perseguidos politicamente e, portanto, dignos de acolhimento em um país que lhe garanta segurança física e liberdade de expressão.
Não lhes faltaram razões para temerem ser mortos caso permanecessem no Brasil. Aqui, Bruno Daniel e Marilena Nakano lutavam para descobrir as razões e os mandantes do assassinato. O problema é que, ao que tudo indica, a mera possibilidade de as reais motivações do crime virem à tona já deixou mais sete cadáveres pelo caminho, além do próprio Celso Daniel.
Três meses depois da morte do ex-prefeito, o detento Dionísio Severo foi morto na cadeia, apenas dois dias depois de ter dito que teria informações sobre o caso. Ele foi apontado como o contato entre o empresário Sérgio Sombra, acusado pelo Ministério Público do estado de São Paulo de ser o mandante do crime, e os autores do assassinato. Dionísio Severo foi resgatado da cadeia, de helicóptero, dois dias antes da morte de Celso Daniel, sendo depois recapturado. O homem que abrigou o foragido neste meio tempo, Sérgio "Orelha", também foi morto. Otávio Mercier, investigador de polícia que ligou para Severo na véspera do sequestro de Celso Daniel, levou dois tiros dentro de sua casa.
Sem perder a conta -- Depois de Celso, Dionísio, Sérgio "Orelha" e Otávio -- a lista de cadáveres foi acrescida com o de Antonio Palácio de Oliveira, garçom que na noite do sequestro do ex-prefeito serviu a mesa de uma churrascaria em São Paulo em que estavam Celso Daniel e Sérgio Sombra. Foi morto em fevereiro de 2003. Portava documentos falsos e tinha recebido um depósito de R$ 60 mil em sua conta corrente.
Vinte dias depois foi a vez de Paulo Henrique Brito, única testemunha da morte do garçom Antonio Palácio de Oliveira. Em dezembro de 2003, o agente funerário Ivan Moraes Rédua levou dois tiros pelas costas. Ele havia sido o primeiro a reconhecer o corpo de Celso Daniel, ainda jogado na estrada, e a chamar a polícia.
Até aqui, a última morte suspeita ligada ao caso foi a do médico-legista Carlos Delmonte Printes, que examinou o cadáver de Celso Daniel. Ele dizia que o ex-prefeito de Santo André foi brutalmente torturado antes de ser assassinado. O doutor foi encontrado morto em seu escritório na Zona Sul de São Paulo, no dia 12 de outubro de 2005. O laudo oficial sobre a morte do legista concluiu que ele cometeu suicídio.
Menos de um mês antes de morrer, Carlos Delmonte Printes foi ao Programa do Jô, da Rede Globo. No ar, disse que recebeu pressão de políticos para que concordasse com a hipótese de crime comum, que considerava "inverossímil". Ele disse ainda: "Eu fui proibido de falar pelo diretor do Instituto Médico Legal. Bem mais tarde, depois que eu comuniquei o fato ao Ministério Público, eles alegaram que era para a minha proteção e em seguida foi decretado segredo de Justiça".
Entre os políticos que o teriam pressionado, Carlos Delmonte Printes citou o deputado petista Luiz Eduardo Greenhalgh. Curiosamente, foi também Greenhalgh o petista acusado de dar tapas na cara de Rodolfo Rodrigo do Santos, o "Bozinho", para que o bandido confessasse o assassinato de Celso Daniel. Bozinho confessou, mas depois voltou atrás, alegando ter admitido o crime sob tortura.
Luiz Eduardo Greenhalgh, aliás, foi o petista derrotado na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados no início de 2005. O vencedor foi o candidato "independente" Severino Cavalcanti. Entre o que o doleiro Toninho da Barcelona diz saber, está a informação de que o PT compensou a derrota de Greenhalgh com a compra do apoio de Severino ao governo pelo preço de R$ 8 milhões.
E mais: entre o que Toninho -- o da Barcelona -- diz ainda saber e não o deixam contar estão informações sobre remessas ilegais para o exterior de dinheiro proveniente de empresas de transportes da cidade de Santo André, o que pode esclarecer algo sobre o assassinato do prefeito da cidade. Como se sabe, a hipótese de crime político para a morte de Celso Daniel provém da suspeita de que ele não concordava com um esquema de propina envolvendo estas empresas - esquema que serviria para financiar campanhas do PT.
Em janeiro deste ano, o advogado Hélio Bicudo tornou públicas duas cartas enviadas da França por Bruno Daniel e Marilena Nakano, uma endereçada a ele próprio, a outra destinada à presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie. À ministra, os dois expressam preocupação com o fato de Sérgio Sombra ter enviado ao Supremo uma solicitação na qual contesta a constitucionalidade do poder de investigação do Ministério Público.
Também em janeiro, Bruno Daniel concedeu entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo na qual acusa o chefe do Gabinete Pessoal da Presidência da República, Gilberto Carvalho, de ter levado dinheiro de um esquema de financiamento do PT para o ex-presidente do partido, José Dirceu. Bruno Daniel disse ainda ao Estado que Gilberto Carvalho não teria feito "nada de concreto" para esclarecer o crime.
Gilberto Carvalho respondeu dizendo que a atitude de Bruno Daniel e Marilena Nakano de buscar asilo político na França é fruto de uma "opção pessoal". Sobre a vontade dos dois de retornar ao Brasil, o assessor do presidente Lula disse ainda que "somos um país democrático, com todas as instituições funcionando em plena normalidade. Sua volta ao Brasil é bem-vinda".
Sobre a lista de oito cadáveres, de Celso Daniel ao legista Celso Delmonte Printes, Gilberto Carvalho não falou. No entanto, caso seguisse a mesma postura, poderia se valer da frase que no terceiro filme da trilogia de Francis Ford Coppola a filha de Dom Corleone ouviu do primo mafioso quando perguntou se era verdade que o pai havia mandado matar o próprio irmão: "São apenas histórias".
Publicado no site "Opinião e Notícia".
Quinta-feira, 13 de março de 2008.
http://bootlead.blogspot.com
Celso Daniel o fantasma de Lula – Hugo Souza
Doleiro do PT é perseguido pelo governo – Hugo Souza (Opinião e Notícias)
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