Espasmo obscurantista
por Carlos Alberto Di Franco
A universidade européia sofreu um espasmo obscurantista. O papa Bento XVI, um intelectual reconhecidamente brilhante, cancelou a conferência que daria na abertura do ano letivo da Universidade La Sapienza, em Roma. Em carta encaminhada ao reitor Renato Guarini, autor do convite ao papa, 67 professores, entre os mais de 4.500 docentes daquela instituição, incitaram uma centena de alunos a se manifestarem contra a presença do papa. Bento XVI representaria um ataque ao vanguardismo e à modernidade.
Para evitar presumíveis explorações o papa adiou a sua visita à universidade, fundada pelo papa Bonifácio VIII, em 1303. O texto preparado por Bento XVI, uma fascinante viagem da filosofia em sua busca da verdade, foi lido na sua ausência e longamente aplaudido pelos presentes ao ato acadêmico.
A censura ao papa repercutiu intensamente. Políticos, intelectuais, professores, estudantes e acadêmicos, independentemente de credos e posturas ideológicas, formaram uma imensa corrente em defesa da liberdade. Cerca de 200 mil pessoas reunidas na Praça de São Pedro manifestaram sua solidariedade ao pontífice. “Nenhuma voz deveria ser silenciada em nosso país, ainda mais quando se trata do papa”, disse o primeiro-ministro italiano, Romano Prodi.
O fato angariou aliados incomuns para o pontífice. Dario Fo, Prêmio Nobel de Literatura e contumaz crítico da Igreja Católica, defendeu o direito do papa de falar. “Sou contra qualquer forma de censura porque o direito à liberdade de expressão é sagrado”, disse ele ao jornal La Repubblica. Para a jornalista Souad Sbai, presidente de uma associação de mulheres muçulmanas na Itália, Roma viveu “uma jornada de tristeza e vergonha porque se celebrou a afirmação de uma ideologia facciosa e arrogante”.
Na verdade, o que se viu foi a apoteose da burrice, do laicismo intolerante e da mediocridade. O laicismo fundamentalista pós-moderno não é apenas uma opinião, um conjunto de idéias ou uma convicção, que se defende em legítimo e respeitoso diálogo com outras opiniões e convicções, como é próprio da cultura e da praxe democrática. Trata-se, infelizmente, de uma “ideologia”, ou seja, uma cosmovisão - um conjunto global de idéias, fechado em si mesmo -, que pretende ser a “única verdade” racional, a única digna de ser levada em consideração na cultura, na política, na legislação, na educação, etc.
A ditadura laicista não se identifica com a “laicidade”, que é algo positivo e justo e consiste em reconhecer a independência e a autonomia do Estado em relação a qualquer religião ou igreja concreta, e que inclui, como dado essencial, o respeito pela liberdade privada e pública dos cultos das diversas religiões, desde que não atentem contra as leis, a ordem e moralidade pública.
Por outras palavras, o laicismo pós-moderno é um dogmatismo secular, ideologicamente totalitário e fechado em sua “verdade única”, comparável - sem exagero - às demais ideologias totalitárias, como o nazismo e o comunismo. Tal como as políticas nascidas dessas ideologias das sombras, o laicismo execra - sem dar audiência ao adversário nem manter respeito por ele - os pensamentos que divergem dos seus “dogmas” e não hesita em mobilizar a “Inquisição” de setores acadêmicos para censurar - sem o menor respeito pelo diálogo - as idéias ou posições que se opõem ao seu dogmatismo.
O laicismo militante pratica o terrorismo ideológico, pelo sistema de atacar os que, no exercício do seu direito democrático, pensam e opinam de modo diferente do deles, acusando-os de serem - só por opinarem de outra maneira - intransigentes, tirânicos e reacionários (três características das quais o laicismo, na realidade, parece querer a exclusividade).
Fazem pensar no leito de Procusto, a figura mitológica grega que, em sua estalagem numa encruzilhada, obrigava os viajantes a se deitarem numa cama de ferro de determinadas dimensões: se o tamanho do hóspede fosse menor que leito, Procusto torturava-o, esticando-o até que tivesse (depois de morrer) o comprimento do leito; caso se tratasse de alguém de respeitável estatura e dimensões maiores que as do leito, reduzia-o também ao tamanho da cama (símbolo da ideologia) pelo sistema de matá-lo, decepando-lhe a cabeça ou as pernas, que sobravam.
O papa, ao contrário de Procusto e de seus atuais seguidores, disse que jamais quis impor sua fé. Declarou-se profundamente unido ao ambiente acadêmico na “busca da verdade e no diálogo franco e respeitoso”. Sobra ao pontífice o que falta à minoria arrogante que esbofeteou a liberdade de expressão no coração da universidade romana.
O genuíno fenômeno ético e religioso só pode prosperar no terreno da liberdade. Na verdade, entre uma pessoa de convicções e um fanático existe uma fronteira nítida: o apreço pela liberdade. O fanático impõe, fulmina. A pessoa de convicções, ao contrário, assenta serenamente em suas idéias. Por isso, a sua convicção não a move a impor, mas a estimula a propor, a expor à livre aceitação dos outros os valores que acredita dignos de serem compartilhados.
É preciso, com urgência, desenvolver o senso crítico contra os desvios da intolerância e do fanatismo. A censura ao papa foi um golpe aos valores mais caros da civilização e da democracia.
Os 67 “mestres” da La Sapienza são a antítese da racionalidade e do espírito científico. São, de fato, paladinos de uma nova Inquisição.
Para evitar presumíveis explorações o papa adiou a sua visita à universidade, fundada pelo papa Bonifácio VIII, em 1303. O texto preparado por Bento XVI, uma fascinante viagem da filosofia em sua busca da verdade, foi lido na sua ausência e longamente aplaudido pelos presentes ao ato acadêmico.
A censura ao papa repercutiu intensamente. Políticos, intelectuais, professores, estudantes e acadêmicos, independentemente de credos e posturas ideológicas, formaram uma imensa corrente em defesa da liberdade. Cerca de 200 mil pessoas reunidas na Praça de São Pedro manifestaram sua solidariedade ao pontífice. “Nenhuma voz deveria ser silenciada em nosso país, ainda mais quando se trata do papa”, disse o primeiro-ministro italiano, Romano Prodi.
O fato angariou aliados incomuns para o pontífice. Dario Fo, Prêmio Nobel de Literatura e contumaz crítico da Igreja Católica, defendeu o direito do papa de falar. “Sou contra qualquer forma de censura porque o direito à liberdade de expressão é sagrado”, disse ele ao jornal La Repubblica. Para a jornalista Souad Sbai, presidente de uma associação de mulheres muçulmanas na Itália, Roma viveu “uma jornada de tristeza e vergonha porque se celebrou a afirmação de uma ideologia facciosa e arrogante”.
Na verdade, o que se viu foi a apoteose da burrice, do laicismo intolerante e da mediocridade. O laicismo fundamentalista pós-moderno não é apenas uma opinião, um conjunto de idéias ou uma convicção, que se defende em legítimo e respeitoso diálogo com outras opiniões e convicções, como é próprio da cultura e da praxe democrática. Trata-se, infelizmente, de uma “ideologia”, ou seja, uma cosmovisão - um conjunto global de idéias, fechado em si mesmo -, que pretende ser a “única verdade” racional, a única digna de ser levada em consideração na cultura, na política, na legislação, na educação, etc.
A ditadura laicista não se identifica com a “laicidade”, que é algo positivo e justo e consiste em reconhecer a independência e a autonomia do Estado em relação a qualquer religião ou igreja concreta, e que inclui, como dado essencial, o respeito pela liberdade privada e pública dos cultos das diversas religiões, desde que não atentem contra as leis, a ordem e moralidade pública.
Por outras palavras, o laicismo pós-moderno é um dogmatismo secular, ideologicamente totalitário e fechado em sua “verdade única”, comparável - sem exagero - às demais ideologias totalitárias, como o nazismo e o comunismo. Tal como as políticas nascidas dessas ideologias das sombras, o laicismo execra - sem dar audiência ao adversário nem manter respeito por ele - os pensamentos que divergem dos seus “dogmas” e não hesita em mobilizar a “Inquisição” de setores acadêmicos para censurar - sem o menor respeito pelo diálogo - as idéias ou posições que se opõem ao seu dogmatismo.
O laicismo militante pratica o terrorismo ideológico, pelo sistema de atacar os que, no exercício do seu direito democrático, pensam e opinam de modo diferente do deles, acusando-os de serem - só por opinarem de outra maneira - intransigentes, tirânicos e reacionários (três características das quais o laicismo, na realidade, parece querer a exclusividade).
Fazem pensar no leito de Procusto, a figura mitológica grega que, em sua estalagem numa encruzilhada, obrigava os viajantes a se deitarem numa cama de ferro de determinadas dimensões: se o tamanho do hóspede fosse menor que leito, Procusto torturava-o, esticando-o até que tivesse (depois de morrer) o comprimento do leito; caso se tratasse de alguém de respeitável estatura e dimensões maiores que as do leito, reduzia-o também ao tamanho da cama (símbolo da ideologia) pelo sistema de matá-lo, decepando-lhe a cabeça ou as pernas, que sobravam.
O papa, ao contrário de Procusto e de seus atuais seguidores, disse que jamais quis impor sua fé. Declarou-se profundamente unido ao ambiente acadêmico na “busca da verdade e no diálogo franco e respeitoso”. Sobra ao pontífice o que falta à minoria arrogante que esbofeteou a liberdade de expressão no coração da universidade romana.
O genuíno fenômeno ético e religioso só pode prosperar no terreno da liberdade. Na verdade, entre uma pessoa de convicções e um fanático existe uma fronteira nítida: o apreço pela liberdade. O fanático impõe, fulmina. A pessoa de convicções, ao contrário, assenta serenamente em suas idéias. Por isso, a sua convicção não a move a impor, mas a estimula a propor, a expor à livre aceitação dos outros os valores que acredita dignos de serem compartilhados.
É preciso, com urgência, desenvolver o senso crítico contra os desvios da intolerância e do fanatismo. A censura ao papa foi um golpe aos valores mais caros da civilização e da democracia.
Os 67 “mestres” da La Sapienza são a antítese da racionalidade e do espírito científico. São, de fato, paladinos de uma nova Inquisição.
Carlos Alberto Di Franco, é diretor do "Master em Jornalismo", professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, articulista dos jornais "O Estado de S. Paulo", "O Globo", "Gazeta do Povo", entre outros. Autor do livro "Jornalismo, Ética e Qualidade" e co-autor de "O Papel da Polícia na Sociedade Democrática". Di Franco também têm publicados diversos ensaios sobre o tema "o jornalismo e a sociedade".
E-mail: difranco@iics.org.br
E-mail: difranco@iics.org.br
Publicado no jornal " O Estado de S.Paulo ".
Segunda-feira, 28 de janeiro de 2008.
http://bootlead.blogspot.com
Espasmo obscurantista – Carlos Alberto Di Franco
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