O continente do atraso
editorial do jornal O Estado de S. Paulo
As economias em desenvolvimento terão um papel central na próxima fase da globalização, segundo projeções para o próximo quarto de século recém-divulgadas pelo Banco Mundial (Bird). Cerca de 1,2 bilhão de habitantes desses países deverão participar da classe média global em 2030. Para isso, 800 milhões deverão sair da pobreza nesse período. No cenário básico, o Produto Mundial deverá dobrar, passando de US$ 35 trilhões em 2005 para US$ 72 trilhões no fim do período. O crescimento, pouco mais acelerado que o dos últimos 25 anos, será puxado pela integração econômica e pela rápida expansão do comércio. As trocas internacionais deverão triplicar, alcançando US$ 27 trilhões anuais. Passarão de cerca de um quarto para mais de um terço do PIB mundial. As economias em desenvolvimento fornecerão 65% das importações de manufaturados do mundo rico. Hoje fornecem 40%. Há 20 anos, supriam 14%. Mas esse quadro, na maior parte brilhante, contém áreas escuras: a desigualdade poderá aumentar tanto entre países quanto entre grupos de pessoas, e a América Latina, se não houver mudanças importantes, continuará perdendo terreno para os países do Extremo Oriente, da Ásia Central e da antiga Europa socialista.
Não se trata, obviamente, de um exercício de adivinhação. Mas há dificuldades enormes na construção de cenários para um período tão longo. Inovações tecnológicas podem proporcionar ganhos de produtividade inesperados e acelerar fortemente a expansão econômica. Os autores do trabalho apontam as suas limitações. Mesmo com ressalvas como essa, porém, projeções de longo prazo são indispensáveis para a formulação de agendas nacionais e internacionais.
A experiência do último quarto de século proporciona um bom fundamento para algumas apostas. A população mundial deverá crescer de 6,5 bilhões para 8 bilhões em 25 anos. A porcentagem de idosos continuará a aumentar em quase todos os países. A integração comercial deverá prosseguir, apesar dos impasses da Rodada Doha. Sem novo acordo global, poderão crescer algumas tendências protecionistas, mas haverá maior integração por meio de acordos bilaterais e regionais.
A parcela de pessoas integradas na economia global continuará a aumentar. A criação e a difusão de tecnologias avançadas afetará cada vez mais amplamente o perfil da mão-de-obra incorporada na produção. A exclusão econômica dos grupos menos educados será mais acentuada, impondo aos governos maiores encargos de assistência a esses trabalhadores.
O peso crescente da China, da Índia e de outras economias da Ásia no comércio internacional pressionará mais fortemente as condições de trabalho e de remuneração no mundo rico e nos países com padrões trabalhistas ocidentais. Esse efeito poderá ser, no entanto, atenuado pelas transformações em curso naquelas economias hoje caracterizadas pelo baixo custo da mão-de-obra. Mesmo na China as condições trabalhistas começam a mudar e poderão alterar-se mais velozmente nos próximos anos. A melhor estratégia, de toda forma, não será o recurso ao protecionismo, advertem os autores do trabalho; a saída mais eficiente será persistir na integração, socorrer os trabalhadores deslocados e prepará-los para uma nova inserção no mercado.
A América Latina - e isso vale obviamente para o Brasil - terá de persistir na agenda de reformas e de tornar-se menos dependente da exportação de produtos básicos. Nas projeções para 2007 e 2008 os latino-americanos continuam com crescimento menor que as do resto do mundo em desenvolvimento. O descompasso permanece no cenário global de longo prazo. A conclusão é evidente: é preciso apressar as mudanças, consolidar os fundamentos econômicos e criar condições para maiores investimentos, maior absorção de tecnologia e maior incorporação de mão-de-obra em atividades mais produtivas.
O mundo não ficou à espera do Brasil e dos latino-americanos no último quarto de século. O desafio será ainda mais duro nos próximos 25 anos, segundo as projeções do Bird. Nenhuma reunião de cúpula na América do Sul deterá a globalização. Hugo Chávez e Evo Morales podem ser fontes de sabedoria para o governo brasileiro, mas não para o resto do mundo.
Publicado no jornal "O Estado de S. Paulo".
Segunda-feira, 25 de dezembro de 2006.
Não se trata, obviamente, de um exercício de adivinhação. Mas há dificuldades enormes na construção de cenários para um período tão longo. Inovações tecnológicas podem proporcionar ganhos de produtividade inesperados e acelerar fortemente a expansão econômica. Os autores do trabalho apontam as suas limitações. Mesmo com ressalvas como essa, porém, projeções de longo prazo são indispensáveis para a formulação de agendas nacionais e internacionais.
A experiência do último quarto de século proporciona um bom fundamento para algumas apostas. A população mundial deverá crescer de 6,5 bilhões para 8 bilhões em 25 anos. A porcentagem de idosos continuará a aumentar em quase todos os países. A integração comercial deverá prosseguir, apesar dos impasses da Rodada Doha. Sem novo acordo global, poderão crescer algumas tendências protecionistas, mas haverá maior integração por meio de acordos bilaterais e regionais.
A parcela de pessoas integradas na economia global continuará a aumentar. A criação e a difusão de tecnologias avançadas afetará cada vez mais amplamente o perfil da mão-de-obra incorporada na produção. A exclusão econômica dos grupos menos educados será mais acentuada, impondo aos governos maiores encargos de assistência a esses trabalhadores.
O peso crescente da China, da Índia e de outras economias da Ásia no comércio internacional pressionará mais fortemente as condições de trabalho e de remuneração no mundo rico e nos países com padrões trabalhistas ocidentais. Esse efeito poderá ser, no entanto, atenuado pelas transformações em curso naquelas economias hoje caracterizadas pelo baixo custo da mão-de-obra. Mesmo na China as condições trabalhistas começam a mudar e poderão alterar-se mais velozmente nos próximos anos. A melhor estratégia, de toda forma, não será o recurso ao protecionismo, advertem os autores do trabalho; a saída mais eficiente será persistir na integração, socorrer os trabalhadores deslocados e prepará-los para uma nova inserção no mercado.
A América Latina - e isso vale obviamente para o Brasil - terá de persistir na agenda de reformas e de tornar-se menos dependente da exportação de produtos básicos. Nas projeções para 2007 e 2008 os latino-americanos continuam com crescimento menor que as do resto do mundo em desenvolvimento. O descompasso permanece no cenário global de longo prazo. A conclusão é evidente: é preciso apressar as mudanças, consolidar os fundamentos econômicos e criar condições para maiores investimentos, maior absorção de tecnologia e maior incorporação de mão-de-obra em atividades mais produtivas.
O mundo não ficou à espera do Brasil e dos latino-americanos no último quarto de século. O desafio será ainda mais duro nos próximos 25 anos, segundo as projeções do Bird. Nenhuma reunião de cúpula na América do Sul deterá a globalização. Hugo Chávez e Evo Morales podem ser fontes de sabedoria para o governo brasileiro, mas não para o resto do mundo.
Publicado no jornal "O Estado de S. Paulo".
Segunda-feira, 25 de dezembro de 2006.
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América do Sul - Estadão
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