Quais as consequências da crise a longo prazo?
por William Waack
O texto de hoje é sobre a crise financeira internacional. Antes, porém, um recado aos leitores: esta secção do G1 é uma coluna que não é diária. Uma das características da atual crise é a rápida sucessão de eventos. Portanto, vou tentar me concentrar em aspectos que possam ser lidos nas próximas duas horas sem padecer de envelhecimento precoce.
Quais são as consequências político-sociais de longo prazo do cataclismo (sim, estamos diante de uma catástrofe)? Acho que vamos considerar 2008 como um ponto de inflexão, assim como 1929 acabou sendo consagrada como uma data que prenunciava importantes mudanças – ainda que o impacto mais forte da crise daquela época só atingisse as principais economias européias em 1934/5.
Especialmente os comentaristas europeus (franceses e alemães, em particular) assinalam o fim do "modo" anglo-saxônico de encarar os mercados financeiros. O argumento mais corrente é o de que as principais economias européias, muito mais reguladas que as dos Estados Unidos e Reino Unido, sofrerão menos com a crise.
O problema desse argumento são os fatos dos últimos dias: os principais governos europeus tiveram de socorrer instituições financeiras privadas com dinheiro público. O socorro prestado pelo governo alemão a uma das principais caixas hipotecárias do país irritou profundamente a própria comissão da União Européia (mas os Países Baixos tiveram de fazer o mesmo, praticamente na mesma hora).
Não, por favor, não leiam isto como uma prova de que "são todos os mesmos" (afinal, não é com dinheiro público que o governo americano quer salvar o sistema financeiro?). Nos países europeus, a presença do Estado na economia foi sempre vista de outra maneira do que nos Estados Unidos e Reino Unido. Sobretudo os social-democratas acham que os tempos mudaram – e por um período muito longo – a favor de sua tese favorita, e que se traduziu numa expressão alemã adotada também pelos conservadores: economia social de mercado, com forte presença dirigista do Estado. Nicholas Sarkozy, o "liberal" presidente francês, assinaria embaixo.
Há um debate entre os dois lados do Atlântico muito mais cultural do que ideológico sobre o papel de governos não apenas em situações de crise. Essa discussão está profundamente ligada aos problemas que a globalização apresenta também para as economias mais avançadas, e este provavelmente é um dos pontos mais negativos da atual crise: ela deve provocar uma onda irrefreável de protecionismo em nome da proteção de empregos e sobrevivência de instituições nacionais (bancos e empresas, por exemplo).
Curiosamente, os europeus levantam de novo as bandeiras de valores fundamentais da economia, como trabalho e poupança, contra o "estilo anglo-saxão" de tomar empréstimos e arriscar nos mercados de capital. É interessante notar que em sociedades de outros lugares do planeta (Japão, por exemplo) "trabalho" e "poupança" são valores bastante cultivados e nem por isso os japoneses escaparam de uma difícil situação econômica, e não faz muito tempo.
Os autores clássicos, especialmente os da Sociologia, costumam dizer que sem um arcabouço teórico dificilmente se entende os fatos correntes. É o que economistas dizem agora da atual crise. Robert Samuelson, por exemplo, argumenta que o "vácuo intelectual" a respeito de qual teoria econômica melhor explicaria a atual crise é que levou ao caos político no Congresso americano. Em outras palavras, não se previa – pelo menos do ponto de vista da teoria – o que viria acontecer. A principal delas: a falta de experiência em como estabilizar mercados financeiros.
Ligar diretamente em relação de causa-efeito mecânica o campo da economia e o da política é um tipo de sub marxismo que nada explica da realidade – é o departamento das verdades absolutas e respostas prontas, que apenas confundem. É difícil prever, portanto, como e se a atual crise, que promete ser longa e difícil, levará a consequencias políticas e onde.
Mas é possível dizer que no campo "cultural" do debate entre Estado e Mercado o pêndulo deve mover-se com força para o primeiro lado. Deve aumentar consideravelmente nossa (de novo, no campo "cultural") insegurança diante de um mundo no qual tudo parecia explicado, conectado, ajustado e, por tanto, controlável. É aquilo que, em alemão, chama-se "Kulturpessimismus" – a idéia de que, no fundo, não somos capazes de dar ordem e direção ao que queremos.
Não falo aqui do ponto de vista do investidor (os inteligentes saberão perceber no momento de crise também o momento da oportunidade). Falo do ponto de vista da experiência de sociedades que se julgavam acima de crises.
Quais são as consequências político-sociais de longo prazo do cataclismo (sim, estamos diante de uma catástrofe)? Acho que vamos considerar 2008 como um ponto de inflexão, assim como 1929 acabou sendo consagrada como uma data que prenunciava importantes mudanças – ainda que o impacto mais forte da crise daquela época só atingisse as principais economias européias em 1934/5.
Especialmente os comentaristas europeus (franceses e alemães, em particular) assinalam o fim do "modo" anglo-saxônico de encarar os mercados financeiros. O argumento mais corrente é o de que as principais economias européias, muito mais reguladas que as dos Estados Unidos e Reino Unido, sofrerão menos com a crise.
O problema desse argumento são os fatos dos últimos dias: os principais governos europeus tiveram de socorrer instituições financeiras privadas com dinheiro público. O socorro prestado pelo governo alemão a uma das principais caixas hipotecárias do país irritou profundamente a própria comissão da União Européia (mas os Países Baixos tiveram de fazer o mesmo, praticamente na mesma hora).
Não, por favor, não leiam isto como uma prova de que "são todos os mesmos" (afinal, não é com dinheiro público que o governo americano quer salvar o sistema financeiro?). Nos países europeus, a presença do Estado na economia foi sempre vista de outra maneira do que nos Estados Unidos e Reino Unido. Sobretudo os social-democratas acham que os tempos mudaram – e por um período muito longo – a favor de sua tese favorita, e que se traduziu numa expressão alemã adotada também pelos conservadores: economia social de mercado, com forte presença dirigista do Estado. Nicholas Sarkozy, o "liberal" presidente francês, assinaria embaixo.
Há um debate entre os dois lados do Atlântico muito mais cultural do que ideológico sobre o papel de governos não apenas em situações de crise. Essa discussão está profundamente ligada aos problemas que a globalização apresenta também para as economias mais avançadas, e este provavelmente é um dos pontos mais negativos da atual crise: ela deve provocar uma onda irrefreável de protecionismo em nome da proteção de empregos e sobrevivência de instituições nacionais (bancos e empresas, por exemplo).
Curiosamente, os europeus levantam de novo as bandeiras de valores fundamentais da economia, como trabalho e poupança, contra o "estilo anglo-saxão" de tomar empréstimos e arriscar nos mercados de capital. É interessante notar que em sociedades de outros lugares do planeta (Japão, por exemplo) "trabalho" e "poupança" são valores bastante cultivados e nem por isso os japoneses escaparam de uma difícil situação econômica, e não faz muito tempo.
Os autores clássicos, especialmente os da Sociologia, costumam dizer que sem um arcabouço teórico dificilmente se entende os fatos correntes. É o que economistas dizem agora da atual crise. Robert Samuelson, por exemplo, argumenta que o "vácuo intelectual" a respeito de qual teoria econômica melhor explicaria a atual crise é que levou ao caos político no Congresso americano. Em outras palavras, não se previa – pelo menos do ponto de vista da teoria – o que viria acontecer. A principal delas: a falta de experiência em como estabilizar mercados financeiros.
Ligar diretamente em relação de causa-efeito mecânica o campo da economia e o da política é um tipo de sub marxismo que nada explica da realidade – é o departamento das verdades absolutas e respostas prontas, que apenas confundem. É difícil prever, portanto, como e se a atual crise, que promete ser longa e difícil, levará a consequencias políticas e onde.
Mas é possível dizer que no campo "cultural" do debate entre Estado e Mercado o pêndulo deve mover-se com força para o primeiro lado. Deve aumentar consideravelmente nossa (de novo, no campo "cultural") insegurança diante de um mundo no qual tudo parecia explicado, conectado, ajustado e, por tanto, controlável. É aquilo que, em alemão, chama-se "Kulturpessimismus" – a idéia de que, no fundo, não somos capazes de dar ordem e direção ao que queremos.
Não falo aqui do ponto de vista do investidor (os inteligentes saberão perceber no momento de crise também o momento da oportunidade). Falo do ponto de vista da experiência de sociedades que se julgavam acima de crises.
William Waack nasceu em São Paulo, SP em 30/08/1952 é jornalista, formado pela USP. Cursou também Ciências Políticas, Sociologia e Comunicação na Universidade de Mainz, na Alemanha, e fez mestrado em Relações Internacionais. Tem quatro livros publicados e já venceu duas vezes o Prêmio Esso de Jornalismo, pela cobertura da Guerra do Golfo de 1991 e por ter revelado informações sobre a Intentona Comunista de 1935, até então mantidas sob sigilo nos arquivos da antiga KGB em Moscou. Waack trabalhou em algumas das principais redações do Brasil, como o Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo e a revista Veja. Foi editor de Economia, Internacional e Política. Durante 20 anos, William Waack foi correspondente internacional na Alemanha, no Reino Unido, na Rússia e no Oriente Médio. Desde 1996, trabalha para a TV Globo e voltou ao Brasil em 2000. Apresenta, desde maio de 2005, o Jornal da Globo e em 2006, passou a assinar uma coluna na editoria Mundo do portal de notícias G1.
Publicado no Portal G1.
Segunda-feira, 29 de setembro de 2008, 21h45.
MOMENTO PARA O HUMOR
A ONU encomendou uma pesquisa de opinião em alguns países sobre o problema da fome no mundo, a pesquisa solicitava aos entrevistados que respondessem apenas esta única pergunta abaixo:
"Por favor, diga honestamente: Qual é a sua opinião sobre a escassez de alimentos no resto do mundo?"
Porém, os resultados foram altamente desanimadores e a pesquisa um tremendo fracasso. Porque:
1 - Os europeus não entendiam o que significava "escassez".
2 – Os africanos não sabiam o que eram "alimentos".
3 – Os argentinos desconheciam o que queria dizer "por favor".
4 – Os americanos perguntaram o que significava "resto do mundo".
5 – Os cubanos solicitaram que lhes explicassem o que era "opinião".
6 – E os brasileiros, estão até hoje se perguntando qual é o significado de "honestamente".
"Por favor, diga honestamente: Qual é a sua opinião sobre a escassez de alimentos no resto do mundo?"
Porém, os resultados foram altamente desanimadores e a pesquisa um tremendo fracasso. Porque:
1 - Os europeus não entendiam o que significava "escassez".
2 – Os africanos não sabiam o que eram "alimentos".
3 – Os argentinos desconheciam o que queria dizer "por favor".
4 – Os americanos perguntaram o que significava "resto do mundo".
5 – Os cubanos solicitaram que lhes explicassem o que era "opinião".
6 – E os brasileiros, estão até hoje se perguntando qual é o significado de "honestamente".
"América Latina está gobernada por el Foro de Sao Paulo" - Antonio Sánchez García
A próxima crise americana – Olavo de Carvalho
http://bootlead.blogspot.com
Quais as consequências da crise a longo prazo? – William Waack
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