Friday, October 30, 2009

Lealdade dos Militares: Juramento à Bandeira Nacional!
Lealdade de trânsfugas fardados: Subserviência e colaboracionismo!


































Lealdade e disciplina
por Marcelo Oliveira Lopes Serrano

Em 16 de junho de 1940, em meio à crise político-militar provocada pela avassaladora ofensiva nazista, o Marechal Philippe Petain, um dos grandes heróis franceses da I Guerra Mundial, assumiu o cargo de Primeiro-Ministro da França. No dia seguinte, sabedor de antemão da intenção do Marechal de render-se à Alemanha, o que efetivamente ocorreu em 22 de junho, Charles De Gaulle, recentemente promovido ao posto de general de brigada no campo de batalha, rebelou-se contra o novo governo e evadiu-se para a Inglaterra, de onde passou a conclamar o povo francês à resistência e a organizar as Forças Francesas Livres. Em agosto do mesmo ano, em tribunal militar instaurado pelo Governo de Petain, De Gaulle foi, à revelia, condenado à morte por traição.

Estes fatos históricos, sinteticamente narrados, servem perfeitamente como pano de fundo para o objetivo deste artigo de argumentar sobre o adequado relacionamento funcional entre lealdade e disciplina.

Lealdade e disciplina são valores caros a todos os soldados. Como conceitos, assemelham-se por tratarem ambos de aspectos fundamentais do relacionamento dos militares com a Instituição, mas distinguem-se tanto em escopo como em importância. Caso sejam interpretados de modo a representarem na prática o mesmo valor, um dos dois estará sendo distorcido ou aviltado.

A disciplina é constitucionalmente caracterizada como base das Forças Armadas e está bem especificada no Estatuto dos Militares, lei onde estão estabelecidos os princípios basilares, os valores éticos e os deveres militares de todos os integrantes daquelas Forças. Está também caracterizada em normas regulamentares infra legais, particularmente no Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), e é definida como: "a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo".

Vê-se que a disciplina tem uma conotação ampla, que abrange o acatamento aos próprios princípios e valores imateriais estabelecidos pelo Estatuto dos Militares. Entretanto, há uma conotação mais estreita da disciplina e corriqueiramente mais difundida na mente dos militares. Essa conotação é favorecida pelo que está disposto no RDE, que reproduz a definição do Estatuto, mas complementa- a estabelecendo suas quatro manifestações essenciais, que são: obediência pronta às ordens, correção de atitudes, dedicação integral ao serviço e colaboração espontânea para a disciplina coletiva e eficiência das Forças Armadas.

Essa visão mais estreita e funcional da disciplina, expressa por suas manifestações, é corroborada pela relação das transgressões disciplinares. Neste anexo do RDE, as manifestações essenciais da disciplina, por intermédio do viés negativo, estão ampla e detalhadamente caracterizadas em cento e doze itens, ao passo que apenas um deles[1] se refere ao aspecto mais amplo dela e mesmo assim com elevado grau de subjetividade. Percebe-se então que o acatamento dos valores imateriais expressos nas "leis [...] que fundamentam o organismo militar [...} traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever" extrapola as simples manifestações da disciplina, estando vinculado ao exercício amplo e subjetivo dela.

Essa subjetividade não é de se estranhar. Ao contrário da disciplina, não há definição de lealdade tanto no nível legal como no regulamentar. No Estatuto dos Militares, ela é citada apenas uma vez, na forma do dever militar de demonstrar "lealdade em todas as circunstâncias", sem no entanto evidenciar a quê se deve ser leal. No RDE, por sua vez, não há menção a lealdade. Resta-nos a definição sumária do dicionário [2], segundo a qual lealdade significa sinceridade, franqueza, honestidade e fidelidade a compromissos assumidos.

Se não houver claro entendimento do objeto ao qual os militares devem ser leais em todas as circunstâncias, a lealdade tende a tornar-se um conceito vazio ou então a confundir-se com as manifestações essenciais da disciplina, sendo inócua em ambos os casos.

Na falta de parâmetros nítidos para o exercício da lealdade, continua ainda a vigorar preponderantemente na mente dos militares a ideia de lealdade orientada a pessoas – resquício de circunstâncias passadas. No passado, até meados do século XX, por falta de normas bem estabelecidas, a avaliação do mérito e a promoção dos militares estavam sujeitas, em grande parte, a critérios pessoais dos chefes de então. Nesse ambiente, era natural que os oficiais buscassem, desde cedo na carreira, vincular-se a seus chefes por laços de lealdade, o que também interessava àqueles chefes, em função dos interesses políticos que na época se imiscuíam no seio da Força. Esses relacionamentos de apadrinhamento e lealdade, semelhantes aos que vigoram plenamente no meio da política partidária, estão praticamente superados no Exército em função de sua despolitização e dos critérios profissionais e impessoais que foram implantados, principalmente a partir dos anos sessenta do século passado, para regular a avaliação do mérito e as promoções. A persistência da idéia de lealdade orientada a pessoas, além de ser um anacronismo, é desnecessária e inconveniente para os interesses maiores do Exército.

A lealdade a pessoas, ao chefe em particular, para continuar relevante nos dias de hoje, teria necessariamente de representar um valor diferente, ou suplementar, às manifestações essenciais da disciplina, o que não acontece. O que mais deve um subordinado ao seu chefe além de obediência às ordens, correção de atitudes e dedicação integral ao serviço? Nada, por certo. A sinceridade, franqueza e honestidade podem ser interpretadas como expressão da lealdade a pessoas. São atributos individuais importantes para o relacionamento funcional entre militares, mas, sem dúvida, estão circunscritos no âmbito da correção de atitudes e da dedicação integral ao serviço. Afirmar que o subordinado deve ser leal ao seu chefe nada acrescenta à obrigação dele de manifestar disciplina, considerando- se evidentemente que essa lealdade só seja devida na medida em que o chefe agir segundo os ditames da lei e dos valores fundamentais da Força. A idéia de lealdade orientada a pessoas é portanto desnecessária.

A quê então temos o dever de ser leais em todas as circunstâncias? Sem dúvida, aos princípios basilares do Exército, aos valores imateriais que garantem a pureza de seus propósitos, que alimentam o espírito militar e que asseguram que a Força permaneça sempre à altura de sua elevada missão perante a Pátria. A lealdade deve ser a expressão da disciplina em seu nível mais amplo e subjetivo, acima de suas simples manifestações. Essa conotação de lealdade é a mais digna, por vincular-se a princípios imutáveis e não a pessoas, passíveis que são a erros de julgamento e a flutuações de estado de espírito e opiniões. A não manifestação dessa lealdade certamente enfraquecerá o Exército em seus valores anímicos, por consequência, esvaziá-la, por intermédio da continuada prevalência da idéia de lealdade a pessoas, é inconveniente.

Aceitas estas argumentações, é forçoso admitir que lealdade sobrepõe-se à disciplina [3], na medida em que esta deve exercer-se em ambiente de pleno acatamento aos princípios e valores que norteiam, no mais alto grau, o relacionamento dos militares com a Força e com a Pátria. A lealdade a esses princípios e valores, estabelecidos na lei e aceitos por todos os que voluntariamente incorporam-se ao Exército, é sempre pura e moralmente irreprochável. A disciplina ao contrário, se dissociada deles, ainda que inconscientemente, corre o risco de desvirtuar-se, afastando-se de seus nobres objetivos e mantendo-se indiferente ao desencaminhamento que essa dissociação forçosamente acarreta ao Exército como Força Armada, mesmo que continue legitimamente sendo capaz de preservar o ordenamento interno da Força e seu funcionamento rotineiro.

Há peculiaridades no exercício da lealdade que o distinguem fortemente do exercício da disciplina. A disciplina é objetiva. Os padrões de comportamento necessários ao acatamento dela são claros e bem definidos, como já citado anteriormente. Consequentemente, é possível haver, como realmente há, meios de coerção efetivos que são ativados sempre que houver falha disciplinar. A lealdade é subjetiva. Não há definição a respeito dos padrões de atitude que seriam necessários para o acatamento aos princípios e valores fundamentais do Exército. Não há, por exemplo, como definir precisamente e indiscutivelmente o que é ter patriotismo, salvo as exceções evidentes. O próprio conceito é subjetivo. Dois posicionamentos podem ser contrários e, apesar disso, as pessoas que os adotam sentirem-se ambas motivadas por patriotismo. Será que Chamberlain, o Primeiro-Ministro inglês que tentou uma acomodação com Hitler, era menos patriota do que Churchill, partidário da inevitabilidade do confronto? A única afirmação segura que se pode fazer é que a posição de Churchill revelou-se a mais correta.

A lealdade é o compromisso inarredável com os princípios e valores tão recorrentemente citados neste artigo, mas o sentimento do que é ser leal é uma questão de foro íntimo. A necessidade de exercer a lealdade por meio de atitudes efetivas será sempre função da inconformidade entre a situação vigente e a convicção íntima daqueles princípios e valores basilares. O exercício efetivo da lealdade será portanto sempre uma forma de luta, em seus variáveis graus de intensidade. Como toda luta, envolve riscos, pois pode vir a chocar-se com o poder coercitivo do status quo, e não tem o resultado garantido. Apesar disso, é um dever – um dever legal e, acima de tudo, um dever moral. Cumpri-lo, parafraseando São Paulo, é combater o bom combate.

Ser leal nesses termos não é fácil nem indolor, ao contrário, é uma dura obrigação que requer convicções firmes, devotamento e coragem. Almas tímidas, interesseiras ou vazias de conteúdo podem ser leais a seus chefes, visto ser este tipo de lealdade atualmente um exercício inofensivo, mas são incapazes de cumprirem o dever militar de lealdade nos termos aqui expostos.

A lealdade é um aguilhão que não nos deixa esquecer que existimos para servir ao Exército e à Pátria, sem jamais nos deixarmos seduzir pela tentação de deles servir-se, ao que estaremos fatalmente sujeitos se, em qualquer nível, cedermos a interesses menores, sejam corporativos ou individuais. Servir significa zelar pelo futuro do Exército como Força Terrestre, pois só assim estaremos demonstrando "vontade inabalável de cumprir o dever militar" [4] e manifestando "fé na missão elevada das Forças Armadas" [5], e não apenas administrar a rotina do presente e cultuar os êxitos do passado.

A essa altura da argumentação, pode-se questionar: por que não ser leal a valores e também a pessoas? A pergunta é lícita e a reposta é fácil. Porque não se pode servir a dois senhores. Se a lealdade, como sentimento de compromisso, for dirigida a objetos diferentes, quando houver inconformidade entre estes, ter-se-á de optar fatalmente pela lealdade a um deles, resultando em deslealdade para com o outro. Castello Branco não poderia ter sido leal simultaneamente aos princípios democráticos da sociedade brasileira e à defesa da disciplina nas Forças Armadas, que o levaram a decidir-se pelo desencadeamento da Revolução de 1964, mantendo ao mesmo tempo seus compromissos com o Ministro da Guerra, seu chefe imediato, e com o Presidente da República, seu comandante supremo e agente capital do atentado àqueles valores.

Para finalizar, voltando-se ao exemplo histórico que abriu este artigo, é indiscutível a admissão de que a atitude de De Gaulle foi indisciplinada, já que ele não obedeceu às ordens de seus chefes, e, do ponto de vista do governo legitimamente instalado, criminosa. No entanto, foi o seu sentimento de lealdade e sua coragem que possibilitaram à França preservar sua dignidade nacional e emergir do conflito entre os vencedores. Quanto ao velho Marechal, herói do passado, restou uma indelével mancha em sua biografia.

[ * ]

[1] – Item 9 do anexo I do RDE:

Deixar de cumprir prescrições expressamente estabelecidas no Estatuto dos Militares ou em outras leis e regulamentos, desde que não haja tipificação como crime ou contravenção penal, cuja violação afete os preceitos da hierarquia e disciplina, a ética militar, a honra pessoal, o pundonor militar ou o decoro da classe;

[2] – Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa:
     – Lealdade - Qualidade, ação ou procedimento de quem é leal.
     – Leal - do latin legale, cuja raiz é lex, ou seja, lei. Sincero, franco e honesto. Fiel aos seus compromissos.

[3] – Entendida como sua conotação mais estreita, vinculada às suas manifestações, nas quais está inserida a ideia de
       lealdade a pessoas.

[4] – Art 27 do Estatuto dos Militares:

São manifestações essenciais do valor militar:
I    – o patriotismo, traduzido pela vontade inabalável de cumprir o dever militar e pelo solene juramento de fidelidade
        à Pátria até com o sacrifício da própria vida;
II   – o civismo e o culto das tradições históricas;
III  – a fé na missão elevada das Forças Armadas;
IV  – o espírito de corpo, orgulho do militar pela organização onde serve;
V   – o amor à profissão das armas e o entusiasmo com que é exercida; e
VI  – o aprimoramento técnico-profissional.

[5] – Idem


Marcelo Oliveira Lopes Serrano é Coronel do Exército Brasileiro.








Publicado no site "Brasil acima de tudo" (BAT).
Quarta-feira, 28 de Outubro de 2009.




COMPROMETIMENTO



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CaLUguLA*: O tiranete demente.





1 comment:

Cachorro Louco said...

Bootlead : Eu vejo que hoje o comprometimento com a pátria é uma atitude ridicularizada ,que deprecia o individuo.A cultura popular brasileira é uma cultura de entreguismo e contemplação.Os brasileiros de um modo geral estão interessados tão somente no que ocorre na sua esfera individual ,poucoi se importando se o país ou o mundo vão bem ou mal .
A lealdade deixou de ser uma virtude e passou a ser um artigo vendido no mercado .Pouqíssimas pessoas ,sejam militares ou não estão verdadeiramente compromissadas com o país e com a situaçã em que se encontra o mesmo.
Estive durante alguns anos de minha juventude caçando esta corja que hoje nos desgoverna a serviço do glorioso Exercito Brasileiro ,e desde aquela época mantenho laços de lealdade verdadeira com meus ex-companheiros de farda .Isto nos permitiu uma sobrevivência em momentos de perseguição encetados por parentes e simpatizantes de presos políticos .Cuidamos uns dos outros e estamos aqui,alguns inclusive prontos para voltar a empunhar armas para defender a pátria .
Abraços

 
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