Evo Morales sabe bem o que quer e como conseguir
por William Waack
Qualquer simulação das necessidades de energia do Brasil frente às dificuldades do PAC e aos tropeços da política externa teria de fazer soar um alarma. Questões ambientais e falta de planejamento adequado ameaçam o fornecimento de energia interno. Na frente externa, Paraguai e Bolívia estão colocando o Brasil contra a parede.
O Paraguai exige a revisão dos acordos que assinou o Brasil pela usina de Itaipu, pelos quais os dois países dividem a propriedade da hidrelétrica e o Paraguai vende a energia que não precisa para o Brasil. Os paraguaios querem – lógico – mais dinheiro pela energia que não usam, embora a que usam seja fortemente subsidiada pelo lado brasileiro.
Mais urgente é a situação criada pela Bolívia. Tudo indica que a “amizade” entre os dois “irmãos” – Lula e Evo Morales – serviu apenas para o presidente boliviano defender o que ele considera seus interesses, coisa justa e legítima. Pode-se argumentar que não é civilizado defender os próprios interesses mentindo, como Evo Morales fez duas vezes a Lula, no Palácio do Planalto. Ou que “amigos” não deveriam adotar entre si medidas unilaterais, como Evo fez com Lula pelo menos duas vezes em pouco mais de 12 meses.
Mas quem disse, se adotarmos o ponto de vista de Evo Morales, que o mundo (“ancho y ajeno”, na célebre visão indigenista do que acontece longe dos Andes) comportou-se de maneira “civilizada” com os bolivianos ao longo da história? O Brasil não é, em termos relativos, muito mais rico do que a Bolívia? O que são uns 100 milhões de dólares a mais ou a menos (é a diferença entre o que os bolivianos se dispõem a pagar e aquilo que os brasileiros acham que valem suas refinarias por lá) para uma empresa do porte da Petrobrás? E não foi Lula quem disse que faz parte da sua política em relação aos vizinhos ajudar aos mais pobres?
Não dá para entender, considerando a “amizade” entre os dois companheiros sindicalistas tornados presidentes (ou presidentes que não deixaram de ser sindicalistas?), a reação negativa das autoridades brasileiras aos recentes atos de Evo Morales. Seguindo a cartilha de Lula, que interferiu diretamente em pelo menos duas negociações com o lado boliviano, fizemos tudo certo, não fizemos?
Não se sabe, a este ponto, se Lula reagiu mal frente a Morales por entender (finalmente) o quanto os interesses estratégicos do Brasil são afetados a curto e longo prazo pelo que a Bolívia representa para nossa energia ou, talvez, pelo fato de Morales tê-lo, mais uma vez, “pessoalmente” afrontado. De um jeito ou de outro, Lula fica em situação precária: ou ele demorou demais para compreender o que estava em jogo nas relações com a Bolívia, ou não captou que personagem é seu “amigo” Evo Morales.
A ele, ao presidente da Bolívia, devem ser dirigidos os parabéns. Ele parece saber melhor o que quer, e como chegar ao que quer.
por William Waack
Qualquer simulação das necessidades de energia do Brasil frente às dificuldades do PAC e aos tropeços da política externa teria de fazer soar um alarma. Questões ambientais e falta de planejamento adequado ameaçam o fornecimento de energia interno. Na frente externa, Paraguai e Bolívia estão colocando o Brasil contra a parede.
O Paraguai exige a revisão dos acordos que assinou o Brasil pela usina de Itaipu, pelos quais os dois países dividem a propriedade da hidrelétrica e o Paraguai vende a energia que não precisa para o Brasil. Os paraguaios querem – lógico – mais dinheiro pela energia que não usam, embora a que usam seja fortemente subsidiada pelo lado brasileiro.
Mais urgente é a situação criada pela Bolívia. Tudo indica que a “amizade” entre os dois “irmãos” – Lula e Evo Morales – serviu apenas para o presidente boliviano defender o que ele considera seus interesses, coisa justa e legítima. Pode-se argumentar que não é civilizado defender os próprios interesses mentindo, como Evo Morales fez duas vezes a Lula, no Palácio do Planalto. Ou que “amigos” não deveriam adotar entre si medidas unilaterais, como Evo fez com Lula pelo menos duas vezes em pouco mais de 12 meses.
Mas quem disse, se adotarmos o ponto de vista de Evo Morales, que o mundo (“ancho y ajeno”, na célebre visão indigenista do que acontece longe dos Andes) comportou-se de maneira “civilizada” com os bolivianos ao longo da história? O Brasil não é, em termos relativos, muito mais rico do que a Bolívia? O que são uns 100 milhões de dólares a mais ou a menos (é a diferença entre o que os bolivianos se dispõem a pagar e aquilo que os brasileiros acham que valem suas refinarias por lá) para uma empresa do porte da Petrobrás? E não foi Lula quem disse que faz parte da sua política em relação aos vizinhos ajudar aos mais pobres?
Não dá para entender, considerando a “amizade” entre os dois companheiros sindicalistas tornados presidentes (ou presidentes que não deixaram de ser sindicalistas?), a reação negativa das autoridades brasileiras aos recentes atos de Evo Morales. Seguindo a cartilha de Lula, que interferiu diretamente em pelo menos duas negociações com o lado boliviano, fizemos tudo certo, não fizemos?
Não se sabe, a este ponto, se Lula reagiu mal frente a Morales por entender (finalmente) o quanto os interesses estratégicos do Brasil são afetados a curto e longo prazo pelo que a Bolívia representa para nossa energia ou, talvez, pelo fato de Morales tê-lo, mais uma vez, “pessoalmente” afrontado. De um jeito ou de outro, Lula fica em situação precária: ou ele demorou demais para compreender o que estava em jogo nas relações com a Bolívia, ou não captou que personagem é seu “amigo” Evo Morales.
A ele, ao presidente da Bolívia, devem ser dirigidos os parabéns. Ele parece saber melhor o que quer, e como chegar ao que quer.
William Waack nasceu em São Paulo, SP em 30/08/1952 é jornalista, formado pela USP. Cursou também Ciências Políticas, Sociologia e Comunicação na Universidade de Mainz, na Alemanha, e fez mestrado em Relações Internacionais. Tem quatro livros publicados e já venceu duas vezes o Prêmio Esso de Jornalismo, pela cobertura da Guerra do Golfo de 1991 e por ter revelado informações sobre a Intentona Comunista de 1935, até então mantidas sob sigilo nos arquivos da antiga KGB em Moscou. Waack trabalhou em algumas das principais redações do Brasil, como o Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo e a revista Veja. Foi editor de Economia, Internacional e Política. Durante 20 anos, William Waack foi correspondente internacional na Alemanha, no Reino Unido, na Rússia e no Oriente Médio. Desde 1996, trabalha para a TV Globo e voltou ao Brasil em 2000. Apresenta, desde maio de 2005, o Jornal da Globo e em 2006, passou a assinar uma coluna na editoria Mundo do portal de notícias G1.
Publicado no Portal G1.
Terça-feira, 08 de maio de 2007.
http://bootlead.blogspot.com
Evo Morales
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