Monday, October 13, 2008

NÃO SOMOS CONDUZIDOS, CONDUZIMOS!










































São Paulo se conduz
por Mauro Chaves

Por ser um cadinho étnico-cultural que mistura todos os povos do mundo a brasileiros de todas as regiões do País, a cidade de São Paulo é influenciada por todos, mas preserva sua sólida autonomia, não se deixando levar por ninguém. Ninguém melhor do que os que vivem aqui para saber dos problemas de quem vive aqui. Foi considerando esse caráter, forjado na têmpera dos que daqui partiram para estender os limites do território nacional, que Guilherme de Almeida se inspirou ao inscrever no brasão desta cidade o lema "non ducor, duco". E a História tem comprovado que, efetivamente, São Paulo não é conduzida, mas conduz - e, sobretudo, se conduz. Com todo o respeito a Brasília, Garanhuns ou Caetés.

Foi se conduzindo, sem tutelas externas, que São Paulo se tornou a terceira cidade do mundo, com um PIB de R$ 144 bilhões. Foi sem ouvir palpites de fora que São Paulo alfabetizou 95,4% de sua população, construiu 205 hospitais, 120 teatros e casas de shows, 80 museus, 39 centros culturais, 12.500 restaurantes, 5 mil pizzarias, 72 shopping centers, 15 mil bares e 410 hotéis. São Paulo não precisou de opiniões de terceiros para realizar, anualmente, seus 90 mil eventos e feiras, nem para fazer funcionar suas 146 faculdades e 26 universidades, nem para agüentar suas mil academias de ginástica, suas 1.500 agências bancárias e até seus 5 mil pet shops. Por que, então, São Paulo precisaria ser "conduzida" (de fora) para escolher seus governantes?

É por São Paulo não ser conduzida que parece descabido - se não ridículo - o receio de o Planalto "mandar para cá dinheiro para ambulâncias que fica guardado no banco". Pois São Paulo não é de "se mandar dinheiro para cá" - como oferenda. São Paulo é que "manda dinheiro para lá" - para o resto do Brasil - com o volume de tributos federais gerados por sua produção. Mas se verbas repassadas são aplicadas antes de chegar o momento de serem gastas, isso se chama responsabilidade fiscal, que é o simples hábito de só se gastar quando já se tem com que pagar.

É um primitivismo patrimonialista, herdado dos piores momentos de nossa formação histórica, a idéia de que são as afinidades ou os compadrios políticos que determinam o repasse de verbas de uma entidade a outra - da União ao município, por exemplo. Usar isso como discurso eleitoral é entender a atividade de governo como transação de apaniguados, em que prevalece o companheirismo político sobre os verdadeiros princípios de interesse público, o que não passa de agressão à própria consciência de cidadania. Eis aí o velho critério da "intercessão", ou da influência do "pistolão", que serve tanto para as concessões de sinecuras quanto para as distribuições eleitorais de dinheiro público.

Coisas simples de São Paulo nem sempre são entendidas pelos de fora. A cidade que não é conduzida, mas se conduz, tem seus próprios códigos, sendo que o mais importante deles tem que ver com o respeito. O paulistano é, antes de tudo, um respeitador do espaço e da intimidade alheios. Não faz visitas sem avisar, não costuma se aboletar como hóspede na casa de parentes e amigos, não força intimidade. Sem disposição de parecer hospitaleiro, o paulistano não se deixa invadir nem invade a privacidade do próximo, não se mete em conversa para a qual não foi chamado. Mas, na hora da real necessidade, acode o outro sem hesitar, não mede esforços, é solidário ao extremo.

O paulistano tem um especial senso de proporção e equilíbrio. É discreto, mas não se incomoda com quaisquer indiscrições. É despreconceituoso em relação ao modo de vestir, de falar e de se comportar das pessoas, não "repara" como os outros estão e muito menos cochicha a respeito. Em São Paulo ninguém se choca com ninguém e ninguém debocha de ninguém. Certamente, aí está a riqueza ética da tolerância, de uma sociedade intensamente misturada. Mas é preciso que se descubra nos paulistanos a sutileza do código não escrito de respeito - nem sempre detectável pelos de fora.

Por exemplo, ao contrário do que ocorre em muitas outras capitais brasileiras, onde noite e dia os carros berram à vontade, ninguém buzina em São Paulo, a não ser em situação de risco ou emergência. Na infernal competição do trânsito, aqui também há um outro código curioso: se alguém quer passar de uma fila de carros para outra, "cortar" para virar numa esquina ou sair de uma vaga em que está estacionado, é impedido com manobras de "fechamento" por seus intolerantes "concorrentes". Mas é só se fazer um mínimo gesto de solicitação de passagem, um discreto pedido de "abre-alas", para se ser prontamente atendido, com boa vontade e, às vezes, generoso sorriso. Isso bem traduz a característica essencial da alma paulistana: ela exige respeito.

É a exigência de respeito que leva os paulistanos a apreciar muito a (atual) proibição de que alguns usurpem o espaço de todos - as calçadas invadidas pelos bares e camelôs, as ruas públicas fechadas como se fossem privadas, o descontrole de sons perturbadores da vizinhança, as pichações de todo gênero. E é a exigência de respeito que leva os paulistanos a apoiar tanto o Cidade Limpa - de que hoje, já acostumados, só nos damos conta quando visitamos outras cidades, tão visualmente poluídas como São Paulo era.

Quem quiser prestígio do eleitor paulistano não traga prestígio de fora. Muito menos se espetaculoso, barulhento, com carreatas, bandeiras e inusitados apelos da voz presidencial invadindo residências nas madrugadas, via telemarketing. O efeito será como o de um verdadeiro fermento da já "rejeição militante".


Mauro Chaves é formado em Direito, Administração de Empresas, Filosofia, Cinema e Línguas, é jornalista, escritor, autor teatral, compositor e artista plástico. Mauro também é Editorialista e articulista do jornal "O Estado de S. Paulo", desde 1981 e comentarista político da Rede Gazeta de Televisão. Entre seus vários livros publicados, destacam-se "Três Contos Artificiais", "O Dólar Azul" e "Eu não disse?".
E-Mail: mauro.chaves@attglobal.net




Publicado no jornal "O Estado de S. Paulo" (Opinião).
Sábado, 11 de outubro de 2008.




Silêncio e Mistério – Olavo de Carvalho Pereira





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