Wednesday, October 25, 2006

Para a súcia suicida, o apedeuta, além de "mito" é "intocável".
































Lula, o intocável
por Arnaldo Jabor

Dia 29, Lula deverá ser reeleito. Favas contadas. Papo firme, sem bronca, na boa. Lula está reeleito, apesar de estar no centro de escândalos da pesada. Como se explica isso? Como explicar sua invulnerabilidade sob todos os ataques, provas, tudo?

Há um conjunto de motivos que vão resultar na vitória deste movimento na contramão das conquistas da democracia dos últimos 20 anos, um regresso em nome do 'progresso'.

Eis algumas razões:

'Lula' é um nome doce, carinhoso, familiar. Lula é fácil de entender, fácil de dizer. Na mitologia política brasileira, Lula continua o símbolo do 'povo' que chegou ao poder. A origem quase 'cristã' desse mito de operário ignorante lhe dá uma aura sagrada intocável. Poucos têm coragem de desmentir esse dogma, como a virgindade de Nossa Senhora. Assim é o fenômeno da Fé. Quanto mais denunciam o Lula, mais ele cresce, quanto mais inacreditável o fato, mais valorizado a Fé.

Alckmin está no oposto do mito. Sua imagem é lisa, gelada. Lula não precisa dizer a verdade; basta parecer. Pode mentir quanto quiser, que o que diz soa verdadeiro. É a 'mentira revolucionária'. Alckmin pode dizer a verdade que a maioria nem acredita. Mesmo quem sabe dos delitos que Lula presidiu, vota nele, 'mesmo assim'. Há também o voto 'segunda chance' - a compulsão à repetição freudiana do erro, na esperança de um acerto. Grandes intelectuais declaram que vão votar assim. Alckmin é um herege da religião da esquerda, enquanto Lula está 'acima' da política, acima de nós, intocável.

Os eleitores não votam em plataformas; votam em pessoas. O velho personalismo salvacionista continua vigente. E para muitos intelectuais e pessoas mais cultas, o conceito antigo de 'revolução' continua presente, como um tumor inoperável. No duro, grande parte da Academia acha que a 'vereda luminosa' é Morales ou Chaves. No Brasil, a palavra 'esquerda' continua o ópio dos intelectuais. Pressupõe uma 'substância' que ninguém mais sabe qual é, mas que 'fortalece', enobrece qualquer discurso. O termo é esquivo, encobre erros pavorosos e até justifica massacres. Uma esquerda moderna é vista como 'desvio' ou traição.

A agenda do PSDB e de Alckmin é incompreensível para a maioria das pessoas, mesmo engravatadas. A complexidade de usar um 'choque de capitalismo' para enxugar o Estado, fazer reformas básicas na administração, nada disso empolga o leigo. As palavras de ordem do PT são curtas e grossas, mais fáceis de entender: 'Fome, rico e pobre, elites'...

O País tem um movimento 'regressista' natural, uma vocação reacionária além dos homens e dos discursos, automática, quase física. O verdadeiro Brasil é boçal, salvacionista. FHC foi um parêntesis acidental de racionalidade, assim como Clinton foi o último democrata numa América fundamentalista. FHC subestimou a força da burrice e da Fé.

O erro de comunicação dos tucanos começou no governo FHC. Foi seu maior equívoco. Jamais explicaram para a opinião pública a agenda de mudanças, os novos conceitos políticos de uma modernização. Tinha que ter sido uma cartilha de reeducação. Nada fizeram e, hoje, os tucanos não conseguem defender nem o Plano Real; nem eles acreditam em si. O povo só entendeu o Plano Real e olhe lá. O resto nunca foi explicado, a ponto de termos de ouvir que Lula fez a estabilização da moeda e que as essenciais privatizações foram ataques ao 'patrimônio' da nação, apesar do imenso sucesso da telefonia ou da Vale.

O PSDB tem meia dúzia de gatos ou tucanos pingados: FHC, Tasso, Serra, Arthur Virgílio, Aécio, Goldman e poucos mais, defendendo complexas ambivalências. Por outro lado, o PT tem milhares de militantes defendendo seus empregos.

Como disse Sérgio Buarque de Holanda: 'A democracia ainda é um mal-entendido no País.' No fundo, preferimos uma boa promessa de voluntarismo e populismo, na base do 'pau no burro' ou 'bota para quebrar'. No fundo, democracia é vista como veadagem, perda de tempo. Estamos prontos para ditadores e demagogos; para administradores e reformadores racionais, não. Outra razão da vitória foi a bonança econômico-financeira do mundo atual. Se Lula tivesse pegado as cinco crises da pesada do FHC, estaríamos batendo panelas na rua. Sorte dele e nossa...

Outro motivo: nenhum partido tem uma categoria chamada 'companheiros' (ou 'cumpanheiros'). Acima de erros, crimes, mentiras, existe um talismã secreto que todos carregam no peito ou no bolso: uma verdade maior, uma outra ética acima da nossa, uma 'superioridade' que os absolve e justifica. Os 'cumpanheiros' trabalham sincronizados no País todo, como um formigueiro. O sujeito pode até bater na mãe que continua 'companheiro'. Só deixa de sêlo se criticar o partido, como o Paulo Venceslau que ousou denunciar roubos das prefeituras. Como querer que tucanos dispersos vençam uma matilha de 'cumpanheiros'?

É claro que a vitória se deve também à genialidade maquiavélica do Lula, qualidade subestimada pelos tucanos. Lula deu um banho de competência neles todos. Competentíssima também a tática do governo de negar as verdades e provas pela criação de um labirinto de 'falsas verdades', formando uma rede de desmentidos, protelações e enigmas que vão desqualificando as investigações. Grande parte de seus eleitores não sabe nem o que é 'dossiê' - pensam que é um tipo de doce, como apontou José de Souza Martins, no Estadão.

Conseguiram também 'fulanizar' a ampla estratégia da 'corrupção revolucionária', transformando um plano de bolchevistas tardios em 'meia dúzia de cumpanheiros que cometeram erros'. As pessoas sem formação crítica acreditam, pois acham que 'sempre foi assim... Assim, elegeram Jânio, Collor e agora vamos continuar com Lula, o mascote de nossa utopia personalista e ibérica. Que Deus lhe dê a luz de, ao menos, não detonar a economia, senão, voltaremos a 1963, com a historiazinha do Brasil se 'repetindo como farsa' ?

É claro que a vitória se deve também à genialidade maquiavélica do Lula, qualidade subestimada pelos tucanos. Lula deu um banho de competência neles todos. Competentíssima também a tática do governo de negar as verdades e provas pela criação de um labirinto de 'falsas verdades', formando uma rede de desmentidos, protelações e enigmas que vão desqualificando as investigações. Grande parte de seus eleitores não sabe nem o que é 'dossiê' - pensam que é um tipo de doce, como apontou José de Souza Martins, no Estadão.

Conseguiram também 'fulanizar' a ampla estratégia da 'corrupção revolucionária', transformando um plano de bolchevistas tardios em 'meia dúzia de cumpanheiros que cometeram erros'. As pessoas sem formação crítica acreditam, pois acham que 'sempre foi assim... Assim, elegeram Jânio, Collor e agora vamos continuar com Lula, o mascote de nossa utopia personalista e ibérica. Que Deus lhe dê a luz de, ao menos, não detonar a economia, senão, voltaremos a 1963, com a historiazinha do Brasil se 'repetindo como farsa' ?


Arnaldo Jabor, carioca nascido em 1940, é cineasta e jornalista, também já foi técnico de som, crítico de teatro, roteirista e diretor de curtas e longas metragens. Na década de 90, por força das circunstâncias ditadas pelo governo Fernando Collor de Mello, que sucateou a produção cinematográfica nacional, Jabor foi obrigado a procurar novos rumos e encontrou no jornalismo o seu ganha-pão. Estreou como colunista de O Globo no final de 1995 e mais tarde levou para a TV Globo, no Jornal Nacional, no Bom Dia Brasil e na Rádio CBN. O estilo irônico e mordaz com que comenta os fatos da atualidade brasileira foi decisivo para o seu grande sucesso junto ao público. Arnaldo Jabor também é colunista do jornal “O Estado de S. Paulo”, além de escrever regularmente para diversos outros jornais do Brasil.



Publicado no jornal "O Povo" de Fortaleza.
Terça-feira 24 de outubro de 2006.


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