Friday, June 29, 2007

Senado Federal: Circo mambembe ou dos horrores?






























Discursos delinqüentes. E chegou a hora de cobrar ingresso no Senado
por Reinaldo Azevedo

- Renan: do antilulismo a principal aliado de Lula
- O festival de trapalhadas da tropa de choque
- Lula e o ataque à PF e ao MP
- Quem conspira contra Renan é a matemática
- O discurso de Dilma e as duas injustiças
- As esquerdas queriam direito de defesa?
- O que diz o Manual da Guerrilha de Marighella
- Roriz, misto de Odorico Paraguaçu e Dirceu Borboleta
- Cuidado com a pipoca ao visitar o Senado


Quando é possível explicar o país com mais clareza por meio da ironia, do sarcasmo, é sinal evidente de que estamos fritos. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), chegou ao primeiro time da política com Fernando Collor, em 1989. Foi o líder do PRN na Câmara, o tal Partido da Reconstrução Nacional, que afundou junto com o impichado. Renan vinha, então, do PMDB e, no começo dos anos 80, de uma renhida oposição a Collor em Alagoas, a quem chamava de “príncipe herdeiro da corrupção”. Aliou-se ao caçador de marajás, foi seu líder, assistiu à queda do chefe e nunca deixou de ser governista: apoiou Itamar, FHC, de quem foi ministro da Justiça, e Lula. A síntese: atingiu o topo da política ajudando a derrotar Lula e, agora, como seu principal aliado no Congresso (ainda que um tanto incômodo), submete o Senado a um vexame inédito.

Pior: a desfaçatez e o festival de trapalhadas que seus aliados protagonizam, mesmerizando e paralisando a Casa, fazem supor, e indícios não faltam, que ele cobra dos aliados o apoio até a última gota de vergonha na cara. Ou, então, abrirá a sua caixa de Pandora. A conclusão é uma só: boa parte do Senado e o governo Lula são reféns de Renan.

É impressionante. No passado, aqui e ali, escândalos também respingaram ou mesmo surgiram no Senado. Nem poderia ser diferente. O material humano que compõe as duas Casas do Congresso é o mesmo. Mas o fato de ser um grupo muito menor sempre conseguiu, de algum modo, manter as disputas e desentendimentos em padrões um pouco mais civilizados. As crises eram mais curtas, como a da violação do painel eletrônico, que resultou na renúncia de ACM e de José Roberto Arruda, ou a do embate entre o mesmo ACM e Jader Barbalho. Agora, não.

A barafunda parece interminável, e, como se vê e confessou o próprio Renan, a tropa de choque do presidente do Senado não tem limites. A lambança protagonizada por Leomar Quintanilha (PMDB-TO), que, em menos de 24 horas, convidou, desconvidou e convidou de novo o senador Renato Casagrande (PSB-ES) para relator do caso Renan assombra o processo político com o vale-tudo. Isso depois de, em três semanas, dois relatores e um presidente terem renunciado a suas funções no Conselho de Ética.

Não bastasse o espetáculo deprimente, a mesma maquinaria que degrada as instituições, posta para funcionar no período do mensalão e do dossiê fajuto, foi ontem acionada pelo Palácio do Planalto para tentar salvar Renan. O senador exige a solidariedade e, por razões que ele e Lula conhecem muito bem, recebe o amparo incondicional. A fala do presidente e a de Dilma Rousseff, ontem, entram para a história das imposturas, da avaliação política delinqüente. Exercitando uma das máximas do estado democrático de direito, segundo a qual todos são inocentes até que se prove o contrário, o presidente perfilou-se com Renan na posse do procurador geral da República.

Lula misturou alhos com bugalhos, deixando escapar aquelas que certamente são preocupações do governo. Mandou bala: “Uma coisa que me inquieta, e me inquieta como cidadão, que me inquieta no comportamento da Polícia Federal e que me inquieta no comportamento do Ministério Público, é que, muitas vezes, não termos o cuidado de evitar que pessoas sejam execradas publicamente antes de serem julgadas”.

Há, aí, vários problemas. A Polícia Federal e o Ministério Público, até agora, não investigam o Renangate. Vai ver o presidente pensava em outra coisa: a operação que flagrou em conversas estranhas Vavá, um de seus irmãos. Quanto ao Ministério Público, vá lá, Lula não pode mesmo, em tese, fazer nada. O órgão é independente, ainda que seu chefe máximo seja nomeado pelo presidente da República. Mas e a Polícia Federal? Ele não tem o direito de se indignar “como cidadão”. A PF é um ente do Executivo, subordinada ao Ministério da Justiça, que, por sua vez, subordina-se à Presidência. Lula, evidentemente, não está reclamando do MP e da PF que põem seus adversários na fogueira. Não gosta é de ver amigos e companheiros em situação difícil. Ademais, note-se: os dois órgãos, às vezes, são de uma discrição e de uma incompetência notáveis — para sorte dos petistas: tomemos os exemplos do mensalão e do dossiê...

O presidente nada mais fez do que vir com aquela cascata de sempre, sugerindo uma espécie de conspiração, que estaria se movendo nas sombras, para depor o presidente do Senado. E convenham: a mais severa militante anti-Renan é quem? Não é Mônica Veloso, mas a matemática.

Dilma
Evidenciando que o discurso fora ensaiado, Dilma Rousseff, a chefe da Casa Civil, também falou da inocência presumida. E concluiu: “Acho que se aplica a todos nós brasileiros, nós que somos, inclusive, a velha geração, que participou das lutas de resistência à ditadura e sabe perfeitamente o que significa o respeito aos direitos individuais da pessoa humana, que é o direito à defesa, que é o direito de todos nós iguais perante a lei e o fato de que ninguém é culpado até que se prove que ele é culpado. Ele é inocente”.

Vamos ver. Se eu penetrar na razão de fundo das esquerdas a que ela se refere, corro o risco de ficar nauseado antes de dizer o que precisa ser dito. Esse misto de vitimismo e triunfalismo é uma das farsas históricas que tendem a perdurar ainda por um bom tempo. Até parece que a “velha geração” de guerrilheiros e terroristas estava muito preocupada com “direitos individuais”, “direito à defesa” e afins. Posso lembrar aqui algumas regras do Manual da Guerrilha Urbana, de Carlos Marighella, para evidenciar o humanismo daquela turma:

- “O espião apreendido dentro de nossa organização será castigado com a morte. O mesmo vai para o que deserta e informa a polícia.” (Capítulo 10);

- “colocar minas caseiras no caminho da polícia, utilizar gasolina, ou jogar bombas Molotov para incendiar seus veículos” (Capítulo 9);

- “O guerrilheiro urbano é um inimigo implacável do governo e infringe dano sistemático às autoridades e aos homens que dominam e exercem o poder. O trabalho principal do guerrilheiro urbano é de distrair, cansar e desmoralizar os militares, a ditadura militar e as forças repressivas, como também atacar e destruir as riquezas dos norte-americanos, os gerentes estrangeiros, e a alta classe brasileira.” (Capítulo 1)

- “Aprender a fazer e construir armas, preparar bombas Molotov, granadas, minas, artefatos destrutivos caseiros, como destruir pontes, e destruir trilhos de trem são conhecimentos indispensáveis a preparação técnica do guerrilheiro.” (Capítulo 3)

Procurei um trecho falando em direito de defesa, democracia, estado de direito, essas frescuras burguesas, e não encontrei nada. Aliás, o primeiro texto da esquerda militante brasileira, com algum alcance teórico, escrito em defesa da democracia, e, ainda assim, entendida como instrumento para o socialismo, é de 1978. Antes disso, todo esforço era direcionado, consoante com a tradição socialista, para a desmoralização do rito democrático “burguês” — nota: a cultura antidemocrática não morreu; persiste até hoje.

Voltando
Mesmo sendo esse lixo teórico e humanista, trata-se de uma impostura adicional evocar aquele tempo para se referir ao caso que toca Renan Calheiros. Não existe um estado discricionário no Brasil — não por enquanto... O senador tem amplíssimo direito de defesa, garantido pelo Conselho de Ética. Não responde, é bom que se diga, nem mesmo a uma acusação policial. O que se argumenta é que houve quebra de decoro. A meu juízo, duas vezes: a) quando foi flagrado em relações estranhas com o lobista de uma empreiteira; b) quando passou aos senadores um pilha de documentos que virou pó. Renan não resiste a um repórter com um microfone na mão e a pergunta certa na cabeça:

— O senhor comprou boi de Renan Calheiros?

— Eu não, meu filho. Nunca vi esse aí.

O que isso tem a ver com a visão certamente heróica que a senhora tem da "resistência", ministra Dilma Rousseff? O que isso tem a ver com os, como é mesmo que os chamava José Dirceu?, companheiros de armas? A sugestão chega a ser indecorosa e duplamente desrespeitosa: com o senador (até onde se sabe, não matou ninguém) e com os terroristas daquele tempo - a maioria ao menos julgava fazer o que fazia por idealismo. Não consigo ver um idealista em Renan a cada vez que ele se diz “BIS-SO-LU-TA-MEN-TE tranqüilo”, insistindo em omitir a vogal que existe para acrescentar a que não existe.

Depreda-se tudo: a verdade, as instituições, a história. Para não dizer, claro, a ética, hoje a cargo de Leomar Quintanilha. O Senado já está desmoralizado. Precisa, agora, de um plano para recuperar-se. Mas afunda um pouco mais.

Roriz
Os que, como eu, têm 45 (ou mais) se lembram. Os outros talvez tenham de recorrer a imagens de arquivo. Eu não ouvia aquela entonação do senador Joaquim Roriz (PMDB-DF) num discurso de político desde o fim da novela (e depois seriado) O Bem Amado, de Dias Gomes. Roriz era o próprio Odorico Paraguaçu, com um certo banho de loja. A sinceridade que emanava de sua fala era rigorosamente a mesma: palavras ocas, pompa, sentimentalismo, gesto dramático e, como direi?, a verdade absolutamente estampada na cara. Ainda se atreveu a falar em nome de Deus e de Nossa Senhora, numa prova evidente de que não poderá ser socorrido por Um ou por Outra.

Odorico era melhor do que Roriz numa coisa: nas pausas. As ênfases não recaíam no substantivo quando deveriam estar no adjetivo, por exemplo. E também não procurava despertar a piedade da platéia. Pensando bem, Roriz, ontem, era um misto de Odorico com Dirceu Borboleta.

Em breve, o Senado pode começar a cobrar ingresso. Prometemos não dar pipoca aos senadores — se muitos deles não a roubarem de nossas mãos.


Reinaldo Azevedo é jornalista, guia cultural, assessor de imprensa e blogueiro. Foi editor-chefe da revista Primeira Leitura, colunista da revista Bravo! e também editor do jornal Folha de S. Paulo. Escreve freqüentemente sobre política nos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo, hoje é colunista da revista Veja. Formado em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) e em Jornalismo pela Universidade Metodista, foi professor de literatura e redação dos colégios Quarup, Singular e do curso Anglo.





Publicado no "
Blog Reinaldo Azevedo".
Sexta-feira, 29 de junho de 2007, 06h46.

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4 comments:

Anonymous said...

O artigo do Reinaldo Azevedo é brilhante e a foto que ilustra o post é sensacional, tudo a ver. Parabéns!

Anonymous said...

Leia o artigo do Ipojucá Pontes

O COMUNISMO VEM AÍ



http://www.wscom.com.br/interna.jsp?pagina=coluna&id=5570&colunista=42

Anonymous said...

A Era da Mediocridade

O presidente Juscelino Kubitschek é o que o brasileiro deveria ser. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o que o brasileiro é. Incapaz de folhear uma biografia, sem paciência para estudar a História do Brasil, Lula não sabe exatamente quem foi o antecessor. Mas gosta de comparar-se a JK. Depois de apresentá-lo como exemplo a seguir, não demorou a descobrir-se superior ao modelo. JK morreu antes que o atual chefe de governo tivesse nascido politicamente. Caso o conhecesse, não gostaria de ser comparado a Lula.
Ambos nascidos em famílias pobres, ultrapassaram sem medo as fronteiras impostas ao imenso gueto dos humildes e alcançaram o coração do poder. Esse traço comum abre a diminuta lista de semelhanças, completada pela simpatia pessoal, pelo riso fácil e pelo apreço por viagens aéreas. Bem mais extensa é a relação das diferenças, todas profundas, algumas abissais. O pernambucano de Garanhuns é um bom político. Pensa nas próximas eleições. O mineiro de Diamantina foi um genuíno estadista. Pensava nas próximas gerações.
Lula ama ser presidente, mas viveria em êxtase se pudesse ser dispensado de administrar o país. Bom de conversa e ruim de serviço, detesta reuniões de trabalho ou audiências com ministros das áreas técnicas. E escapa sempre que pode do tedioso expediente no Palácio do Planalto.
JK amava exercer a Presidência - e administrava o país com volúpia e paixão. A chama dos visionários lhe incendiava o olhar quando contemplava canteiros de obras que Lula só visita para discursar de improviso. Lula só trata com prazer de política. JK tratava também de política com prazer.
O país primitivo dos anos 50 pareceu moderno já no dia da posse de JK. Cinco anos depois, ficara mesmo. O otimista incontrolável inventou Brasília, rasgou estradas onde nem trilhas havia, implantou a indústria automobilística, antecipou o futuro. Com JK, o Brasil viveu a Era da Esperança.
O país moderno deste começo de milênio pareceu primitivo no momento em que Lula ganhou a eleição. Quatro anos e meio depois, ficou mesmo. As grandezas prometidas em 2002 seguem estacionadas no PAC. As estradas federais estão em frangalhos. O apagão aéreo vai completando nove meses. A roubalheira federal atingiu dimensões amazônicas. Mas Lula está bem no retrato, informa a mais recente pesquisa de opinião.
Está bem porque a economia tem sido poupada de sacolejos planetários freqüentes em governos anteriores. Está bem por ter inventado o Bolsa Família, que promoveu milhões de miseráveis a dependentes da esmola federal. E está bem sobretudo porque o advento da Era da Mediocridade tornou o país mais jeca, mais brega, menos exigente.
Nos anos 50, o governo e a oposição eram conduzidos pelos melhores e mais brilhantes. O povo que sabia sonhar sabia também escolher. Mereceu um presidente como JK. No Brasil de Lula, mandam os medíocres. O grande rebanho dos conformados tem o pastor que merece.
Augusto Nunes - JB

Anonymous said...

Contra a corrupção ... só há uma solução : LINCHAMENTO DE POLITICOS CORRUPTOS

 
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