Thursday, April 24, 2008

Brasil! Mostra tua cara...








































O reinado da burrice
por Benedicto Ferri de Barros

A cada dia se torna mais penoso, difícil e aparentemente inútil escrever algo que tenha importância, seja útil e interesse ao leitor. O clima sócio-cultural em que vivemos – em consonância com o clima meteorológico – parece totalmente maluco e se algum sentido ou direção se pode perceber nele é de que nos afastamos, em progressão geométrica, dos valores humanistas do bom, do belo e do verdadeiro, que nos distinguem das demais espécies zoológicas, regredindo para a seleção darwinista da luta pela vida e a sobrevivência dos mais fortes. Precisamente o caminho inverso daquilo que em todos os tempos se conceituou como avanço da civilização.

Intelectualmente não é difícil compreender como isso ocorre. Uma série de obras videntes anteciparam essa degeneração da cultura humana. Nietzsche foi o profeta dessa "mudança de todos os valores", mas o caminho por ele preconizado, numa trágica ironia histórica, desembocou nos totalitarismos da direita e da esquerda. "A Rebelião das massas" , de Ortega y Gasset, apontava a explosão demográfica como o fator capital que presidiria as mudanças e as obras de ficção de Aldous Huxley ("Admirável Mundo Novo"), "1984" , de George Orwell, e "O Processo" , de Kafka, anteciparam o mundo em que viveríamos na atualidade. Um mundo em que na política predomina o democratismo populista e ideológico e na economia o tecnocratismo tecnológico. Um distanciamento astronômico do humanismo e seus valores.

Obviamente essa generalização não caracteriza, nem pretende caracterizar, o mundo todo, nem todo o mundo, mas destacar um vetor que assume crescente destaque no mundo inteiro, e em todas as atividades, mesmo as de ponta, como a informática e o principal meio de comunicação, que é a televisão. Vamos citar alguns exemplos concretos, corriqueiros e banais com que nos deparamos a cada dia.

Na informática é crescente, pelas atualizações automáticas, o número de "aperfeiçoamentos" ociosos e cretinos que complicam, emburrecem e lerdeiam os programas, tecnificando-os cada vez mais. Em recente pesquisa de sites de empresas, lojas e produtos, encontramos prodígios de apresentação dos produtos, mas na enorme maioria desses sites se omitia o endereço dos estabelecimentos, como se eles houvessem se tornado virtuais, se localizassem em nenhures e só existissem na Net. A televisão continua a ser dominada por espetáculos de sexo, violência e sensacionalismo, tanto nas novelas, nos filmes e em seus noticiários, como se além disso e dos engarrafamentos de trânsito e alopramentos do clima, como se nada mais houvesse a noticiar. Salvo crimes.

Na atualidade enfrentamos um problema gravíssimo que é o da epidemia da dengue. Nos sites do governo sobre a questão, o mesmo vezo de virtuosismo tecnocrático contamina gongoricamente a comunicação, feita, ao que parece, para especialistas (que já conhecem a questão) e não de forma sucinta e prática para o grande público. A conclusão mais geral é que mesmo as elites estão contaminadas por uma peste mais generalizada e grave do que a dengue, que é a burrice.

Cabe aqui uma reflexão de ordem mais geral para a compreensão dessas aberrações. E é a de que o avanço da civilização só é possível para a espécie humana porque ela acumula, seleciona e guarda na memória a experiência milenar de inúmeras gerações. Esse patrimônio de experiência só pode ser recuperado e transmitido às novas gerações pelos processos educacionais. As experiências recentes da Espanha e da Irlanda nos ensinaram que com a melhoria da educação todos os aspectos sociais aceleram seu progresso, mas isso só começa a ocorrer após duas gerações, ou seja, praticamente, meio século. Não há outro caminho.

O problema está em que qualidade de educação se dará. A brasileira atual está considerada como uma das piores do mundo. Ela forma analfabetos funcionais, aqueles que passando pelo curso primário aprendem a ler mas não entendem, portanto, não podem incorporar na sua compreensão e comportamento o que lêem. Neste caso, são incapazes de adquirir cultura, isto é, a experiência que foi acumulada pelas gerações precedentes e permitiria uma aquisição mais fácil e melhor utilização dos recursos da modernidade.

Isso tornaria mais produtivo seu desempenho social e lhes proporcionaria remuneração econômica mais alta. Eles não podem ser educados para níveis superiores. No máximo podem ser amestrados para executar tarefas elementares e repetitivas. Neste caso, competem com os robôs, que também agem sem consciência do que fazem nem porque estão agindo. Espanha e Irlanda são dois países cuja política de ênfase na melhoria da educação permite a inserção de um povo na atualidade cultural, no seu desempenho e no seu posicionamento entre as demais nações.

Não é nada que se possa fazer da noite para o dia. Não há como reverter a idade de analfabetos funcionais para proporcionar-lhes melhor formação. A melhoria dos currículos, dos métodos pedagógicos e didáticos, dos instrumentos de ensino e dos professores, são programas que só produzem resultados no prazo de pelo menos duas gerações.

A formação a nível universitário no Brasil exige hoje cerca de 20 anos, para que se cumpra toda a demanda de estudo pelos cursos. E a isso tem de se acrescentar mais um decênio, pelo menos, para os graus de licenciamento e doutoramento. Ao todo, a plena atualização cultural de um indivíduo só se completa quando ele já é plenamente adulto, com cerca de seus 30 e poucos anos.

Não é este, entretanto, o principal problema do roteiro educacional. As tendências educacionais modernas privilegiam o ensino de matérias que fundamentam o desenvolvimento tecno-científico-pragmático cujo foco é o desenvolvimento econômico, secundarizando a formação humanista. E esse não é o melhor caminho para desenvolver nos indivíduos uma compreensão mais ampla e elevada quer de si próprios, quer dos demais. Quer para estimular as produções mais elevadas de que o espírito humano é capaz.

Os últimos séculos são um testemunho do empobrecimento cultural nas produções artísticas e filosóficas. Com isso se regride no conhecimento do homem sobre si próprio e no avanço de suas mais nobres aspirações, a da paz, da beleza, da verdade, da fraternidade, da bondade e da vida feliz.


Benedicto Ferri de Barros, nascido em 1920, é professor, jornalista, empresário, ensaista e poeta. Formado em Ciências Sociais pela USP, onde lecionou política, economia e mercado de capitais, como também na Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas. Ferri de Barros é membro da Academia Internacional de Direito e Economia e da Academia Paulista de Letras.
E-Mail: pajolube@terra.com.br





Publicado no jornal " Diário do Comércio ".
Quinta-feira, 24 de abril de 2008.




RESISTÊNCIA MILITAR – Carl von Clausewitz


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