O golpe do século
por Mario Sabino
O partido comunista chinês é a mais formidável máquina de cooptação social já criada: mudou a China para que tudo continuasse como era.
Jade Palace Hotel. É onde a equipe de VEJA está hospedada em Pequim. No cardápio dos estabelecimentos credenciados pelo comitê olímpico, foi apresentado como um hotel do nível dos melhores ocidentais e bem localizado. É longe de tudo, estamos praticamente isolados em uma franja da cidade. Os funcionários são amadores – todos têm o crachá de "trainee" e trabalham por um prato de macarrão. Ninguém fala inglês, ninguém sabe colocar uma mesa, muitos chegaram do interior na semana passada. Pedir um sanduíche de queijo é um sacrifício. Não sabem o que é sanduíche, não sabem o que é queijo, não sabem o que é um hóspede. Os trainees foram encarregados de vigiar cada movimento nosso. Quando não estamos com o crachá olímpico, exigem que apresentemos o cartão magnético do hotel para nos deixar entrar no elevador. A comida é de campo de reeducação. Os preços são extorsivos: um café custa o equivalente a 14 reais. O único serviço satisfatório é o de tinturaria. Não exige comunicação verbal e a tradição chinesa é boa nessa área do conhecimento humano. O Jade Palace Hotel pertence ao governo – ou seja, ao partido comunista. Não tem sócios capitalistas, locais ou estrangeiros. Desde que soube disso, este repórter resolveu dar ordens como o presidente Hu Jintao. "Não temos banana, senhor." "Então, ligue para o partido e ache uma banana." A banana aparece. "É impossível achar um táxi, senhor." "Então, ligue para o partido, quero um táxi em cinco minutos." O táxi aparece. Dar ordens é a única maneira de fazer funcionar uma parte dos chineses. A constatação empírica foi confirmada por estrangeiros que trabalham em Pequim. Sem dar ordens, concordamos todos, a vida fica impossível.
Mais do que uma má experiência pessoal, o Jade Palace Hotel é uma má experiência política. Estamos diante do comunismo em estado puro, a maior empulhação da história. Vende-se como o paraíso, mas as tintas são infernais. Nesta China capitalista, que abriu uma estrada de dezesseis pistas para o Ocidente, o dado tão curioso quanto inquietante é que o comunismo sobrevive forte em vários aspectos, para além da marca de fantasia do partido. É espantoso que a internet, hoje ao alcance de 250 milhões de chineses, esteja sob controle da censura estatal, mas o que dizer de revistas estrangeiras que chegam às bancas (pouquíssimas) ou aos eventuais assinantes (menos ainda) com páginas coladas? Se o assunto da reportagem for China, os censores grudam o que julgam ser ameaçador ao regime. Da mesma forma que os trainees do Jade Palace Hotel, eles não sabem inglês ou qualquer outra língua estrangeira. Então, eliminam o problema da liberdade de imprensa passando cola em todos os textos aparentemente sensíveis. Basta lerem a palavra China e lá vai cola. Ao leitor, resta o caminho do fogão. Esquenta-se uma panela d’água e, quando o vapor sobe, coloca-se a revista sobre ele, para tentar desgrudar as páginas. Leves princípios de incêndio vêm sendo causados pela censura.
Livros de bons autores à venda: quase não há. De maus autores: situação idêntica. Importação de livros: demorada e com o risco de cola nas páginas. Cinema: minguadas setenta salas para os 17,4 milhões de habitantes de Pequim. A exibição de filmes estrangeiros no país é restrita a vinte títulos novos por ano. Assim como as produções chinesas, eles não podem ter cenas de sexo, mensagens políticas ou questionamentos de ordem moral. É o mundo encantado da Disney comunista. Televisão: apenas forasteiros têm acesso a canais a cabo. Chineses, só se ficarem hospedados num hotel cinco-estrelas. As emissoras abertas, estatais, exibem majoritariamente novelas ambientadas quinhentos anos atrás, protagonizadas por senhores da guerra de barbas e sobrancelhas longas, com os cabelos, também compridos, cortados ao estilo Chitãozinho e Xororó e enfeitados por coques fashion. As novelas seriam suportáveis sob efeito de uísque. Você poderia fingir mais facilmente que assistia a Kill Bill 278, 279, 425... Como no Jade Palace Hotel não há uísque de verdade, o dia começa cedo e acaba tarde na Olimpíada e o honorável estabelecimento só tem CNN e um canal da HBO, o melhor é apagar a TV.
Estrangeiros e chineses mais exigentes (pouquíssimos) perdem um quinhão do seu tempo driblando as proibições. "Se você tiver o software certo, dá para acessar os sites de notícia europeus e americanos", disse a VEJA uma mocinha de Xangai. "É a coisa mais fácil do mundo", confirmou outro jovem de Pequim, mais interessado em pornografia. Comprar filmes piratas na China, a única maneira de assistir a cenas de sexo, mensagens políticas ou questionamentos de ordem moral, não representa uma dificuldade. Ligações clandestinas de emissoras a cabo já são um clássico. Contrabando de livros do exterior, idem. Não é que o governo não veja. Ele simplesmente fecha os olhos, porque sabe ser peraltice de uma infimíssima minoria. A maioria – com todo o peso que isso significa num país de 1,3 bilhão de habitantes – está ocupada em seguir o modelo do cidadão da Nova China: não reclame, não discuta, confie nos seus líderes, trabalhe duro em prol da nação e você também progredirá materialmente.
A abertura econômica é uma realização a festejar. Graças a ela, os chineses comuns entrevistados por VEJA podem dizer, sem incorrer na mentira, que vivem melhor do que seus pais e avós. Mas, do ponto de vista político, foi o golpe do século. Deveriam trocar o retrato de Mao Tsé-tung, na Praça da Paz Celestial, pelo de seu artífice, Deng Xiaoping. Abrir a economia permitiu a sobrevivência no poder do Partido Comunista Chinês. No fim da década de 70, sob a égide do reabilitado Deng, submerso à força durante a Revolução Cultural, alguns dirigentes começaram a pregar publicamente uma certa flexibilização do regime, e resoluções nesse sentido foram adotadas. Para que ela fosse adiante, no entanto, era preciso exorcizar a figura do timoneiro sanguinário, morto em 1976, bem como parte de sua herança maldita, sem que o ritual de execração implicasse a autodestruição do PC. Em 1982, as condições internas (comunista adora falar em "condições internas") permitiram que, durante um congresso do partido, Mao sofresse sua crítica definitiva. A Revolução Cultural, que jogara a China na treva absoluta durante os anos 60, foi declarada um desastre, um tumulto interno. Mao perdeu a condição quase divina, mas manteve a classificação de "grande homem".
O processo de abertura, mesmo com o empuxo a favor, só ganharia velocidade e corpo em 1989, depois do massacre de 200 estudantes entre milhares de revoltosos reunidos na Praça da Paz Celestial. Os mártires e mais o milhar de colegas presos queriam um tantinho de oxigênio, nada além disso, mas haviam ido longe demais. A tragédia, que marcou indelevelmente a história chinesa, embora não conste da versão oficial, acendeu o alarme vermelho no partido. Temerosa do mesmo destino dos amigos soviéticos, então próximos do fim, a cúpula deliberou mudar logo e rápido, para que tudo continuasse como era. "Um país, dois sistemas", na brilhante – e marota – definição de Deng. O golpe do século. "Eu estava fora da China quando ocorreu o episódio na Praça da Paz Celestial. Aquilo me transtornou. Saí andando sem destino. Dias mais tarde, recebi uma circular secreta do partido. Nela, os dirigentes reconheciam a demora para abrir a economia. Se houvessem tomado as devidas providências, afirmavam no documento, a revolta e a morte dos estudantes teriam sido evitadas", disse um integrante do PC (vamos chamá-lo de Zhou), enquanto almoçava com a reportagem de VEJA em um restaurante da região de Sanlitu, em Pequim, onde os turistas têm à sua escolha todos os tipos de diversão – e risco – do capitalismo outrora considerado decadente.
Quem olha de fora tende a acreditar que, tal como ao dia se segue a noite, ao desentrave econômico sucederá a liberdade política. Não é bem assim. A primeira verdade em oposição é que, como a China jamais foi pluralista, inexistem anseios democráticos como no Ocidente. Esses são frutos da filosofia iluminista européia e dos ideais da revolução americana, concepções estranhas e alienígenas do ponto de vista chinês. O marxismo, igualmente alienígena, vicejou na China por ter-se casado à perfeição com uma cultura alicerçada sobre o absolutismo. A segunda verdade é que, apesar de todo o controle estatal, os chineses nunca foram tão livres como hoje – e enxergam no partido comunista pós-1989 uma garantia dessa liberdade, em vez de um obstáculo a ela. Liberdade, aqui, não é de palanque, voto ou informação. É de compra, venda e consumo. O golpe do século, lembra-se?
Ao contrário do soviético, que nasceu, cresceu e morreu como um organismo estranho à sociedade, o partido chinês foi-se entranhando na estrutura do país. O mais surpreendente é que a dinâmica se acelerou nos últimos anos. O PC chinês é hoje um clube com 78 milhões de membros – ou 6% da população total. Há quase tantos comunistas de carteirinha na China quanto alemães na Alemanha. A idade média é 35 anos. As células e os comitês, que movimentam o dia-a-dia do partido, somam 3 milhões de militantes. A cada ano, o PC incorpora 1,8 milhão de novatos. O financiamento se dá por meio de contribuições. Os integrantes da área rural, mais pobres, pagam 1 iuane por mês, o equivalente a 23 centavos de real. Os assalariados de menor renda desembolsam 1% do salário mensal; os de maior renda, e também profissionais liberais e empresários, de 4% a 5% do que ganham por mês. Os dados foram fornecidos pelo secretário-geral de comunicação do partido, Lu Jianping, em entrevista a VEJA.
A revista chegou até ele por intermédio de Wang Jianchao, uma simpática e prestativa jornalista da Associação de Jornalistas de Toda-China. O hífen está presente na designação das associações profissionais chinesas. Indica que não há divisões sindicais ou algo do gênero – e que elas não são toleradas. Os jornais e revistas todo-chineses são abundantes. Existem 10 000 publicações periódicas, cuja função é, no máximo, contar uma parte da verdade, jamais a verdade inteira. No hall do prédio da Associação de Jornalistas de Toda-China, duas fotos distraem os visitantes no chá de sofá: a de Mao lendo o Diário do Povo, órgão oficial do PC, e outra de Chou En-Lai, no jardim de sua casa, rodeado de jornalistas ocidentais. Deve datar dos anos 50 e dá vontade de ser um dos seus figurantes. Companheiro de primeira hora de Mao, Chou era de família rica e tinha formação européia. Viveu em Paris, exilado, no início da década de 20. A foto revela aquele permanente estar à vontade dos bem-nascidos. Devia ser um ótimo papo.
Fomos de carro preto, com motorista, ao encontro do secretário-geral. No trajeto, a senhora Wang explicou que o departamento havia mudado de nome recentemente – deixara de ser "de propaganda" para se tornar "de comunicação". "Alguma mudança nas diretivas?" "Não." Às vezes os jornalistas chineses dizem toda a verdade. Lu Jianping não é um Chou En-Lai, mas tem lá sua cota de poder, é simpático e até relaxado para os padrões locais (só contraiu o rosto diante da lente do fotógrafo). Tem 54 anos, não pinta o cabelo e não usa gel, ao contrário da maioria dos dirigentes do partido. Estava sem terno, porque o presidente Hu Jintao, secretário-geral do PC, recomendou que, no verão, o traje formal fosse abolido. Economiza-se no ar-condicionado. Como em toda sala oficial chinesa para recepção de visitantes, a de Lu Jianping tem poltronas arrumadas em simetria, voltadas para um centro vazio: a do anfitrião é separada por uma mesinha da do visitante principal. Em cima do móvel com toalha de renda e vaso de flores, uma garrafa de água e uma chávena de chá para cada um. O número de poltronas depende do tipo de reunião. Quanto maior a quantidade, mais importante é o dignitário. A simetria expressa formalidade – e não deixa de ser intimidatória. Seis poltronas foi lisonjeiro. Quando VEJA o entrevistou, os jornalistas estrangeiros, recém-chegados ao centro de imprensa olímpico, reclamavam que a China não havia cumprido o compromisso de deixar o acesso à internet inteiramente livre. Perguntado a respeito, Lu Jianping respondeu que ocorrera um problema técnico e que o país seguiria à risca o acordo com o Comitê Olímpico Internacional. "Por que os ocidentais acham que controlamos tudo?", completou. "Essa conversa não vai longe", pensou este repórter. Mas foi.
Virar comunista no Brasil é fácil. Basta ter as idéias erradas, preencher uma ficha de filiação, colocar um broche na camiseta e sair por aí falando e fazendo bobagens. Na China, é necessário mais do que idéias erradas (atualmente, são exigíveis até algumas corretas) e você assina a ficha depois de uma seleção rígida. Não é um clube que aceita qualquer um, coloque-se dessa maneira. Lu Jianping animou-se a contar a história do seu ingresso no partido, segundo ele muito ilustrativa. Em 1974, aos 20 anos, estudante universitário, começou a trabalhar na secretaria de educação de Xinjiang, região autônoma no oeste do país, com significativa população de fé islâmica (e palco de atentados perpetrados por separatistas, no início de agosto). Foi nessa ocasião que Lu Jianping se animou a entrar no PC. Para tanto, teve de escrever uma carta em que expunha os motivos da decisão. Carta aprovada em uma reunião da célula correspondente à secretaria, ele passou a ser observado por dois sindicantes que davam expediente na mesma repartição. Verificada sua, digamos, vocação para comunista, foi procurado por dois homens para uma conversa. Nela, fizeram-lhe três perguntas: a) O partido é para servir ao povo. Você quer servir ao povo? b) Você está de acordo com os princípios e o programa do partido? c) Você está disposto a trabalhar dentro de um sistema de democracia centralizada? Sim, sim e sim para as questões, a célula reuniu-se outra vez. Acharam que Lu Jianping levava jeito e ele foi submetido a novas rodadas de conversas. Ouviram as opiniões a seu respeito de pessoas do seu convívio profissional, social e familiar. Como o horizonte se manteve favorável, Lu Jianping viu-se convidado a participar de uma reunião da célula, em que fez uma explanação sobre o seu desejo de filiar-se ao partido. Em seguida, a célula votou. Seu nome foi aprovado da única forma possível: por unanimidade. Enviaram, então, um relatório ao comitê local do partido. Chancelado pela instância superior, declararam-no aspirante e lhe designaram um tutor. Um ano depois, ainda na condição de aspirante, ele fez um juramento de lealdade diante da bandeira do PC. Inúmeras reuniões e votações correram até que, em 1981, finalmente, ele se tornou membro pleno. "Eu me esforcei durante sete anos", disse Lu Jianping, ainda com o orgulho de vestibulando aprovado.
Nem todos os aspirantes demoram tanto tempo. A protelação do ingresso de Lu Jianping pode ser creditada a um período de enormes convulsões – e desconfianças – entre os quadros partidários. Mas o processo de seleção, para 99% das pessoas, é basicamente o mesmo. VEJA entrevistou uma jovem de 26 anos, Lillian Chen, moradora de Pequim. Formada em jornalismo, fluente em inglês, produtora de documentários televisivos – faz trabalhos para a BBC –, ela foi convidada a entrar no PC quando cursava o equivalente ao colegial brasileiro, por causa de suas notas excelentes. Gostou da idéia e cumpriu a trajetória de Lu Jianping, só que apenas em um ano. Quando completou 18, assinou a ficha de filiação. Além de viver em outros tempos, Lillian Chen recebeu um convite e na adolescência. Combinados, os dois fatores aceleram o processo. "Não, ser do partido não me proporciona regalias diretas. Talvez no passado fosse assim", afirmou. "O seu ingresso, então, foi por motivos ideológicos?", perguntou VEJA. Lillian Chen abriu um sorriso: "Não falo sobre política. Aliás, nem em casa. As duas amigas com quem divido apartamento também são do partido, mas nós só conversamos sobre roupas, acessórios que estão na moda, essas coisas". O nosso terceiro comunista, Zhou, enquadra-se no 1% que não enfrenta processo de seleção – pelo menos, não o usual. Abriram-lhe as portas do partido graças aos serviços prestados à China no exterior. Quais serviços foram esses, ele não revela. Só deixou escapar que, no Brasil, se surpreendeu ao encontrar no estado do Acre um sujeito que mantinha na estante os livros de Mao e pregava a revolução armada contra os exploradores capitalistas. "Nem nós acreditávamos mais nesse tipo de coisa", riu-se Zhou. Foi-lhe explicado que a América Latina era "o cemitério de idéias". Ele aprovou a expressão.
O partido comunista chinês é visível e invisível no cotidiano. Você certamente sabe que seu chefe pertence a ele, mas talvez fique surpreso ao ser informado de que seu melhor amigo, sentado ao lado, também é do PC. Integrá-lo pode não lhe dar benefícios diretos, como diz a jovem Lillian Chen, mas pode resultar num bom guanxi – o nome que se dá à teia de relações pessoais e profissionais, sem a qual ninguém toca negócios ou é promovido na China. Por incrível que pareça, não é a única agremiação política do país. Há outras nove, todas aliadas ao PC, logicamente. Existe inclusive uma versão do Kuomintang, o partido nacionalista defenestrado do poder pelos comunistas, em 1949. Chama-se Comitê Revolucionário do Kuomintang. Quando a rebelde Taiwan for anexada, não é impossível que seus atuais líderes passem a integrar essa agremiação fantoche.
Como há otimistas em qualquer situação, há quem entreveja a possibilidade de a China vir a adotar um regime próximo da democracia real. Eles enxergam nas eleições para representantes municipais, que começaram em meados da década de 80, o germe de um sistema de escolha nacional mais abrangente. Embora poucas cidades constem desse espectro, citam, em seu favor, o fato de haver votação popular nas 700 000 aldeias do interior, onde vivem 700 milhões de pessoas. O americano John L. Thornton, professor da Escola de Economia e Administração da Universidade Tsinghua, em Pequim, detecta avanços na mentalidade dos líderes chineses. Na visão de Thornton, se, em 2012, o substituto de Hu Jintao na secretaria-geral do partido for eleito por voto no Comitê Central, e não por aclamação dirigida, isso sinalizará que mudanças positivas poderão ocorrer no regime como um todo. "O partido, internamente, está tentando adaptar-se à nova dinâmica social", corrobora Lu Jianping. Mas ele ressalva: "O sistema chinês não devorará o ocidental, nem o ocidental devorará o chinês".
O fato incontornável e imune a otimismos é que o partido comunista chinês é a mais formidável máquina de cooptação social já criada na história. Concentra, com raras exceções, a elite intelectual, técnica, empresarial e financeira do país. Em uma China interessada em fechar bons negócios, entrar para o PC é o primeiro negócio a ser feito. Garante guanxi para ganhar dinheiro e blindagem judiciária, pois os juízes e promotores são indicados pelo partido. Como na União Soviética da era Leonid Brejnev, se um comunista de carteirinha for pego com a boca na botija, mas seu caso for considerado "delicado", ninguém o condenará. O PC transformou-se numa espécie de centrão, onde sempre cabe mais um. Candidatos de listas independentes a cargos locais invariavelmente se filiam à agremiação depois de eleitos. Por que mudar se está ótimo para todo mundo que conta e o povão jamais viveu tão bem? A coisa só não é boa para os hóspedes do Jade Palace Hotel.
Mais do que uma má experiência pessoal, o Jade Palace Hotel é uma má experiência política. Estamos diante do comunismo em estado puro, a maior empulhação da história. Vende-se como o paraíso, mas as tintas são infernais. Nesta China capitalista, que abriu uma estrada de dezesseis pistas para o Ocidente, o dado tão curioso quanto inquietante é que o comunismo sobrevive forte em vários aspectos, para além da marca de fantasia do partido. É espantoso que a internet, hoje ao alcance de 250 milhões de chineses, esteja sob controle da censura estatal, mas o que dizer de revistas estrangeiras que chegam às bancas (pouquíssimas) ou aos eventuais assinantes (menos ainda) com páginas coladas? Se o assunto da reportagem for China, os censores grudam o que julgam ser ameaçador ao regime. Da mesma forma que os trainees do Jade Palace Hotel, eles não sabem inglês ou qualquer outra língua estrangeira. Então, eliminam o problema da liberdade de imprensa passando cola em todos os textos aparentemente sensíveis. Basta lerem a palavra China e lá vai cola. Ao leitor, resta o caminho do fogão. Esquenta-se uma panela d’água e, quando o vapor sobe, coloca-se a revista sobre ele, para tentar desgrudar as páginas. Leves princípios de incêndio vêm sendo causados pela censura.
Livros de bons autores à venda: quase não há. De maus autores: situação idêntica. Importação de livros: demorada e com o risco de cola nas páginas. Cinema: minguadas setenta salas para os 17,4 milhões de habitantes de Pequim. A exibição de filmes estrangeiros no país é restrita a vinte títulos novos por ano. Assim como as produções chinesas, eles não podem ter cenas de sexo, mensagens políticas ou questionamentos de ordem moral. É o mundo encantado da Disney comunista. Televisão: apenas forasteiros têm acesso a canais a cabo. Chineses, só se ficarem hospedados num hotel cinco-estrelas. As emissoras abertas, estatais, exibem majoritariamente novelas ambientadas quinhentos anos atrás, protagonizadas por senhores da guerra de barbas e sobrancelhas longas, com os cabelos, também compridos, cortados ao estilo Chitãozinho e Xororó e enfeitados por coques fashion. As novelas seriam suportáveis sob efeito de uísque. Você poderia fingir mais facilmente que assistia a Kill Bill 278, 279, 425... Como no Jade Palace Hotel não há uísque de verdade, o dia começa cedo e acaba tarde na Olimpíada e o honorável estabelecimento só tem CNN e um canal da HBO, o melhor é apagar a TV.
Estrangeiros e chineses mais exigentes (pouquíssimos) perdem um quinhão do seu tempo driblando as proibições. "Se você tiver o software certo, dá para acessar os sites de notícia europeus e americanos", disse a VEJA uma mocinha de Xangai. "É a coisa mais fácil do mundo", confirmou outro jovem de Pequim, mais interessado em pornografia. Comprar filmes piratas na China, a única maneira de assistir a cenas de sexo, mensagens políticas ou questionamentos de ordem moral, não representa uma dificuldade. Ligações clandestinas de emissoras a cabo já são um clássico. Contrabando de livros do exterior, idem. Não é que o governo não veja. Ele simplesmente fecha os olhos, porque sabe ser peraltice de uma infimíssima minoria. A maioria – com todo o peso que isso significa num país de 1,3 bilhão de habitantes – está ocupada em seguir o modelo do cidadão da Nova China: não reclame, não discuta, confie nos seus líderes, trabalhe duro em prol da nação e você também progredirá materialmente.
A abertura econômica é uma realização a festejar. Graças a ela, os chineses comuns entrevistados por VEJA podem dizer, sem incorrer na mentira, que vivem melhor do que seus pais e avós. Mas, do ponto de vista político, foi o golpe do século. Deveriam trocar o retrato de Mao Tsé-tung, na Praça da Paz Celestial, pelo de seu artífice, Deng Xiaoping. Abrir a economia permitiu a sobrevivência no poder do Partido Comunista Chinês. No fim da década de 70, sob a égide do reabilitado Deng, submerso à força durante a Revolução Cultural, alguns dirigentes começaram a pregar publicamente uma certa flexibilização do regime, e resoluções nesse sentido foram adotadas. Para que ela fosse adiante, no entanto, era preciso exorcizar a figura do timoneiro sanguinário, morto em 1976, bem como parte de sua herança maldita, sem que o ritual de execração implicasse a autodestruição do PC. Em 1982, as condições internas (comunista adora falar em "condições internas") permitiram que, durante um congresso do partido, Mao sofresse sua crítica definitiva. A Revolução Cultural, que jogara a China na treva absoluta durante os anos 60, foi declarada um desastre, um tumulto interno. Mao perdeu a condição quase divina, mas manteve a classificação de "grande homem".
O processo de abertura, mesmo com o empuxo a favor, só ganharia velocidade e corpo em 1989, depois do massacre de 200 estudantes entre milhares de revoltosos reunidos na Praça da Paz Celestial. Os mártires e mais o milhar de colegas presos queriam um tantinho de oxigênio, nada além disso, mas haviam ido longe demais. A tragédia, que marcou indelevelmente a história chinesa, embora não conste da versão oficial, acendeu o alarme vermelho no partido. Temerosa do mesmo destino dos amigos soviéticos, então próximos do fim, a cúpula deliberou mudar logo e rápido, para que tudo continuasse como era. "Um país, dois sistemas", na brilhante – e marota – definição de Deng. O golpe do século. "Eu estava fora da China quando ocorreu o episódio na Praça da Paz Celestial. Aquilo me transtornou. Saí andando sem destino. Dias mais tarde, recebi uma circular secreta do partido. Nela, os dirigentes reconheciam a demora para abrir a economia. Se houvessem tomado as devidas providências, afirmavam no documento, a revolta e a morte dos estudantes teriam sido evitadas", disse um integrante do PC (vamos chamá-lo de Zhou), enquanto almoçava com a reportagem de VEJA em um restaurante da região de Sanlitu, em Pequim, onde os turistas têm à sua escolha todos os tipos de diversão – e risco – do capitalismo outrora considerado decadente.
Quem olha de fora tende a acreditar que, tal como ao dia se segue a noite, ao desentrave econômico sucederá a liberdade política. Não é bem assim. A primeira verdade em oposição é que, como a China jamais foi pluralista, inexistem anseios democráticos como no Ocidente. Esses são frutos da filosofia iluminista européia e dos ideais da revolução americana, concepções estranhas e alienígenas do ponto de vista chinês. O marxismo, igualmente alienígena, vicejou na China por ter-se casado à perfeição com uma cultura alicerçada sobre o absolutismo. A segunda verdade é que, apesar de todo o controle estatal, os chineses nunca foram tão livres como hoje – e enxergam no partido comunista pós-1989 uma garantia dessa liberdade, em vez de um obstáculo a ela. Liberdade, aqui, não é de palanque, voto ou informação. É de compra, venda e consumo. O golpe do século, lembra-se?
Ao contrário do soviético, que nasceu, cresceu e morreu como um organismo estranho à sociedade, o partido chinês foi-se entranhando na estrutura do país. O mais surpreendente é que a dinâmica se acelerou nos últimos anos. O PC chinês é hoje um clube com 78 milhões de membros – ou 6% da população total. Há quase tantos comunistas de carteirinha na China quanto alemães na Alemanha. A idade média é 35 anos. As células e os comitês, que movimentam o dia-a-dia do partido, somam 3 milhões de militantes. A cada ano, o PC incorpora 1,8 milhão de novatos. O financiamento se dá por meio de contribuições. Os integrantes da área rural, mais pobres, pagam 1 iuane por mês, o equivalente a 23 centavos de real. Os assalariados de menor renda desembolsam 1% do salário mensal; os de maior renda, e também profissionais liberais e empresários, de 4% a 5% do que ganham por mês. Os dados foram fornecidos pelo secretário-geral de comunicação do partido, Lu Jianping, em entrevista a VEJA.
A revista chegou até ele por intermédio de Wang Jianchao, uma simpática e prestativa jornalista da Associação de Jornalistas de Toda-China. O hífen está presente na designação das associações profissionais chinesas. Indica que não há divisões sindicais ou algo do gênero – e que elas não são toleradas. Os jornais e revistas todo-chineses são abundantes. Existem 10 000 publicações periódicas, cuja função é, no máximo, contar uma parte da verdade, jamais a verdade inteira. No hall do prédio da Associação de Jornalistas de Toda-China, duas fotos distraem os visitantes no chá de sofá: a de Mao lendo o Diário do Povo, órgão oficial do PC, e outra de Chou En-Lai, no jardim de sua casa, rodeado de jornalistas ocidentais. Deve datar dos anos 50 e dá vontade de ser um dos seus figurantes. Companheiro de primeira hora de Mao, Chou era de família rica e tinha formação européia. Viveu em Paris, exilado, no início da década de 20. A foto revela aquele permanente estar à vontade dos bem-nascidos. Devia ser um ótimo papo.
Fomos de carro preto, com motorista, ao encontro do secretário-geral. No trajeto, a senhora Wang explicou que o departamento havia mudado de nome recentemente – deixara de ser "de propaganda" para se tornar "de comunicação". "Alguma mudança nas diretivas?" "Não." Às vezes os jornalistas chineses dizem toda a verdade. Lu Jianping não é um Chou En-Lai, mas tem lá sua cota de poder, é simpático e até relaxado para os padrões locais (só contraiu o rosto diante da lente do fotógrafo). Tem 54 anos, não pinta o cabelo e não usa gel, ao contrário da maioria dos dirigentes do partido. Estava sem terno, porque o presidente Hu Jintao, secretário-geral do PC, recomendou que, no verão, o traje formal fosse abolido. Economiza-se no ar-condicionado. Como em toda sala oficial chinesa para recepção de visitantes, a de Lu Jianping tem poltronas arrumadas em simetria, voltadas para um centro vazio: a do anfitrião é separada por uma mesinha da do visitante principal. Em cima do móvel com toalha de renda e vaso de flores, uma garrafa de água e uma chávena de chá para cada um. O número de poltronas depende do tipo de reunião. Quanto maior a quantidade, mais importante é o dignitário. A simetria expressa formalidade – e não deixa de ser intimidatória. Seis poltronas foi lisonjeiro. Quando VEJA o entrevistou, os jornalistas estrangeiros, recém-chegados ao centro de imprensa olímpico, reclamavam que a China não havia cumprido o compromisso de deixar o acesso à internet inteiramente livre. Perguntado a respeito, Lu Jianping respondeu que ocorrera um problema técnico e que o país seguiria à risca o acordo com o Comitê Olímpico Internacional. "Por que os ocidentais acham que controlamos tudo?", completou. "Essa conversa não vai longe", pensou este repórter. Mas foi.
Virar comunista no Brasil é fácil. Basta ter as idéias erradas, preencher uma ficha de filiação, colocar um broche na camiseta e sair por aí falando e fazendo bobagens. Na China, é necessário mais do que idéias erradas (atualmente, são exigíveis até algumas corretas) e você assina a ficha depois de uma seleção rígida. Não é um clube que aceita qualquer um, coloque-se dessa maneira. Lu Jianping animou-se a contar a história do seu ingresso no partido, segundo ele muito ilustrativa. Em 1974, aos 20 anos, estudante universitário, começou a trabalhar na secretaria de educação de Xinjiang, região autônoma no oeste do país, com significativa população de fé islâmica (e palco de atentados perpetrados por separatistas, no início de agosto). Foi nessa ocasião que Lu Jianping se animou a entrar no PC. Para tanto, teve de escrever uma carta em que expunha os motivos da decisão. Carta aprovada em uma reunião da célula correspondente à secretaria, ele passou a ser observado por dois sindicantes que davam expediente na mesma repartição. Verificada sua, digamos, vocação para comunista, foi procurado por dois homens para uma conversa. Nela, fizeram-lhe três perguntas: a) O partido é para servir ao povo. Você quer servir ao povo? b) Você está de acordo com os princípios e o programa do partido? c) Você está disposto a trabalhar dentro de um sistema de democracia centralizada? Sim, sim e sim para as questões, a célula reuniu-se outra vez. Acharam que Lu Jianping levava jeito e ele foi submetido a novas rodadas de conversas. Ouviram as opiniões a seu respeito de pessoas do seu convívio profissional, social e familiar. Como o horizonte se manteve favorável, Lu Jianping viu-se convidado a participar de uma reunião da célula, em que fez uma explanação sobre o seu desejo de filiar-se ao partido. Em seguida, a célula votou. Seu nome foi aprovado da única forma possível: por unanimidade. Enviaram, então, um relatório ao comitê local do partido. Chancelado pela instância superior, declararam-no aspirante e lhe designaram um tutor. Um ano depois, ainda na condição de aspirante, ele fez um juramento de lealdade diante da bandeira do PC. Inúmeras reuniões e votações correram até que, em 1981, finalmente, ele se tornou membro pleno. "Eu me esforcei durante sete anos", disse Lu Jianping, ainda com o orgulho de vestibulando aprovado.
Nem todos os aspirantes demoram tanto tempo. A protelação do ingresso de Lu Jianping pode ser creditada a um período de enormes convulsões – e desconfianças – entre os quadros partidários. Mas o processo de seleção, para 99% das pessoas, é basicamente o mesmo. VEJA entrevistou uma jovem de 26 anos, Lillian Chen, moradora de Pequim. Formada em jornalismo, fluente em inglês, produtora de documentários televisivos – faz trabalhos para a BBC –, ela foi convidada a entrar no PC quando cursava o equivalente ao colegial brasileiro, por causa de suas notas excelentes. Gostou da idéia e cumpriu a trajetória de Lu Jianping, só que apenas em um ano. Quando completou 18, assinou a ficha de filiação. Além de viver em outros tempos, Lillian Chen recebeu um convite e na adolescência. Combinados, os dois fatores aceleram o processo. "Não, ser do partido não me proporciona regalias diretas. Talvez no passado fosse assim", afirmou. "O seu ingresso, então, foi por motivos ideológicos?", perguntou VEJA. Lillian Chen abriu um sorriso: "Não falo sobre política. Aliás, nem em casa. As duas amigas com quem divido apartamento também são do partido, mas nós só conversamos sobre roupas, acessórios que estão na moda, essas coisas". O nosso terceiro comunista, Zhou, enquadra-se no 1% que não enfrenta processo de seleção – pelo menos, não o usual. Abriram-lhe as portas do partido graças aos serviços prestados à China no exterior. Quais serviços foram esses, ele não revela. Só deixou escapar que, no Brasil, se surpreendeu ao encontrar no estado do Acre um sujeito que mantinha na estante os livros de Mao e pregava a revolução armada contra os exploradores capitalistas. "Nem nós acreditávamos mais nesse tipo de coisa", riu-se Zhou. Foi-lhe explicado que a América Latina era "o cemitério de idéias". Ele aprovou a expressão.
O partido comunista chinês é visível e invisível no cotidiano. Você certamente sabe que seu chefe pertence a ele, mas talvez fique surpreso ao ser informado de que seu melhor amigo, sentado ao lado, também é do PC. Integrá-lo pode não lhe dar benefícios diretos, como diz a jovem Lillian Chen, mas pode resultar num bom guanxi – o nome que se dá à teia de relações pessoais e profissionais, sem a qual ninguém toca negócios ou é promovido na China. Por incrível que pareça, não é a única agremiação política do país. Há outras nove, todas aliadas ao PC, logicamente. Existe inclusive uma versão do Kuomintang, o partido nacionalista defenestrado do poder pelos comunistas, em 1949. Chama-se Comitê Revolucionário do Kuomintang. Quando a rebelde Taiwan for anexada, não é impossível que seus atuais líderes passem a integrar essa agremiação fantoche.
Como há otimistas em qualquer situação, há quem entreveja a possibilidade de a China vir a adotar um regime próximo da democracia real. Eles enxergam nas eleições para representantes municipais, que começaram em meados da década de 80, o germe de um sistema de escolha nacional mais abrangente. Embora poucas cidades constem desse espectro, citam, em seu favor, o fato de haver votação popular nas 700 000 aldeias do interior, onde vivem 700 milhões de pessoas. O americano John L. Thornton, professor da Escola de Economia e Administração da Universidade Tsinghua, em Pequim, detecta avanços na mentalidade dos líderes chineses. Na visão de Thornton, se, em 2012, o substituto de Hu Jintao na secretaria-geral do partido for eleito por voto no Comitê Central, e não por aclamação dirigida, isso sinalizará que mudanças positivas poderão ocorrer no regime como um todo. "O partido, internamente, está tentando adaptar-se à nova dinâmica social", corrobora Lu Jianping. Mas ele ressalva: "O sistema chinês não devorará o ocidental, nem o ocidental devorará o chinês".
O fato incontornável e imune a otimismos é que o partido comunista chinês é a mais formidável máquina de cooptação social já criada na história. Concentra, com raras exceções, a elite intelectual, técnica, empresarial e financeira do país. Em uma China interessada em fechar bons negócios, entrar para o PC é o primeiro negócio a ser feito. Garante guanxi para ganhar dinheiro e blindagem judiciária, pois os juízes e promotores são indicados pelo partido. Como na União Soviética da era Leonid Brejnev, se um comunista de carteirinha for pego com a boca na botija, mas seu caso for considerado "delicado", ninguém o condenará. O PC transformou-se numa espécie de centrão, onde sempre cabe mais um. Candidatos de listas independentes a cargos locais invariavelmente se filiam à agremiação depois de eleitos. Por que mudar se está ótimo para todo mundo que conta e o povão jamais viveu tão bem? A coisa só não é boa para os hóspedes do Jade Palace Hotel.
Especial China: Capitalismo com patrões comunistas (Mario Sabino)
Publicado na revista "VEJA", Edição 2075.
Sábado, 23 de agosto de 2008.
Resposta de um "sujeito" à Revista Época – Cel Carlos Alberto Brilhante Ustra
1 comment:
Bootlead
Só me ocorre exclamar:
putas que os pariram!!!!!!!!!
Recomendo cautela aos soldados brasileiros que desfilarão dia 7 em Brasília em frente ao palanque do analfabeto chefe!
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