O culpado é o mordomo
por João Nemo
O governo Lulla é uma coletânea interminável de paradoxos. Nunca tivemos um presidente tão ignorante e nunca algum tão apoiado por pretensos intelectuais e “produtores culturais”. Quem acha que Lulla é uma criação do povão inculto tem memória curta. Foi produto típico do meio sindical tornado mito por professores universitários, artistas, escritores e outros ditos “formadores de opinião”. Ouvi, várias vezes, pessoas semi-analfabetas dizerem às vésperas de eleições: "de ignorante já basta eu". A máquina de parasitismo ainda não havia alcançado escala que lhe permitisse distribuir “argumentos” da maneira como faz hoje. Mas o fato é que com empenho de uns e conivência de muitos o artefato está aí; tem e terá lamentáveis conseqüências para esta geração de brasileiros e, sendo muito otimista, pelo menos para mais uma. Não se instala impunemente a minuciosa teia de dominação que vem sendo construída e muito menos se escapa às seqüelas dos métodos que vêm sendo utilizados. Quando sairmos do governo Lulla – vejam que continuo otimista – talvez seja possível corrigir muitos rumos equivocados, mas algumas coisas poderão estar definitivamente destruídas.
No momento, como nunca antes neste país, estamos nos transformando em especialistas em tráfego aéreo. Já somos todos técnicos de futebol; tornamo-nos mestres em economia a partir da hiperinflação; e agora nos dedicaremos, durante um bom tempo, ao novo assunto falando em “grooving”, malha aérea, manete, “spoilers”, reverso etc. As razões, desta vez, são as mais tristes possíveis, mas desde o primeiro momento, a grande preocupação da troupe que nos domina se resumiu em “tirar o seu da reta” para usar a linguagem que eles tanto apreciam e praticam, inclusive no gestual. Não digo isso agora. No artigo publicado em 19 de julho, logo após o acidente de Congonhas, comentei: a primeira medida do "planalto” foi uma reunião de emergência com três ministros de confiança, particularmente o da Comunicação Social, entenda-se “propaganda e contra-informação". Naturalmente eu não imaginava que essa coisa chegaria ao ponto de assistirmos dois aspones comemorando a nota esperada por eles no Jornal Nacional e que falava do tal reverso.
Pouco a pouco, uma fatia por vez, irão surgindo dados que nos levarão, ao fim e ao cabo, às evidências de que o verdadeiro culpado pelo acidente de Congonhas é o mordomo, ou seja, o piloto. Desta feita não dispomos de mordomos estrangeiros para acusar, então, teremos que nos contentar com o produto nacional mesmo. Pouco importa se tinha um milhão de horas de vôo e se era o principal interessado em não se espatifar. Nos últimos segundos terá sido ele que errou.
Quem conhece alguma coisa a respeito de grandes catástrofes, ou mesmo de acidentes comuns, sabe que dificilmente um único fator leva ao desfecho. Há sempre uma porção de “se” que poderiam ter evitado a tragédia. Mesmo que no momento final alguém tenha errado por ação ou omissão isso, isoladamente, não explica o ocorrido. Sabe-se também que desordem, confusão, disfunções nos processos de trabalho, concessões em procedimentos sob pressão, tolerâncias indevidas, referências decisórias confusas, negação parcial de limites etc. compõem, entre outras coisas, o ambiente ideal para ocorrências indesejáveis, incidentes e acidentes. Não é preciso ser um especialista: uma boa professora primária sabe que bagunça na sala ou no pátio facilita acidentes com as crianças.
Quando ocorreu o famoso desastre da nave espacial Challenger nos Estados Unidos, o relatório final do inquérito apontava as falhas técnicas e de projeto identificadas, mas demonstrava que a base fundamental do ocorrido estava num sistema de gestão equivocado e nos defeitos do processo decisório. Nós, ninguém mais se lembra, já cometemos a façanha inédita de matar mais de vinte pessoas com um foguete no chão e desligado. Na ocasião, o nosso presidente agradeceu as condolências da comitiva ucraniana com uma das suas pérolas: "há males que vêm para bem". Um contraste considerável com o pronunciamento* do então Presidente Reagan que se tornaria um clássico.
Diversas ocorrências desnudam a natureza das prioridades e o perfil de caráter dessa gente em cujas mãos, infortunadamente, a nossa deplorável maneira de fazer política colocou os destinos do país e de nós mesmos. A primeira foi a já comentada preocupação imediata de defesa da imagem, patrimônio que consideram o bem mais valioso dos seus ativos e que a reunião de primeira hora revelava; segunda, aquela cena flagrada dos gestos obscenos, cuja verdadeira imoralidade está menos nos gestos do que na mentalidade que os motivou. Terceira,... bem... a terceira ocorrência talvez o futuro nos revele: quem será que "vazou" dados parciais de gravação da caixa-preta para a imprensa ferindo, pela antecipação, inclusive tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário? Que Deus me perdoe os maus pensamentos.
Assim como na novela do mensalão, um razoável número de membros do formigueiro poderão ser sacrificados, desde que se preserve a saúva rainha. Esse sacrifício é sempre bem recompensado, pois deixar ressentidos pelo caminho é perigoso. A imprensa costuma comentar as supostas dificuldades do apedeuta em demitir “companheiros” mas creio que o problema é outro. É preciso prudência e garantias de que o bom cabrito não berre.
Quando nada de mais lamentável parecia possível, o presidente Callamares não resistiu e voltou à sua justificativa predileta: "não sabia" que o problema aéreo brasileiro era tão sério. Incrível! Quando é que essa figura vai saber de alguma coisa? E ainda culpou, de certa forma, os adversários porque nas cinco eleições que disputou a questão não teria sido comentada. Eu também acho que a oposição é um bocado omissa, mas essa agora é de cabo de esquadra. Como é que na cabeça de um petralha ou filopetralha cabe, concomitantemente, a idéia de que Callamares é minimamente capaz para ser presidente, mas consegue ignorar a seriedade e complexidade de algo que vem assolando o país há, pelo menos, um ano? Tudo bem: ele dispõe do Aerolulla onde só viaja rodeado de puxa-sacos. Deve ser isso.
Os dois acidentes ocorridos representam o traço mais dramático e dolorido dessa confusão geral em que o país está metido, visível com mais clareza em áreas e aspectos cuja natureza crítica não permite camuflagem. A praga de gafanhotos está, com certeza, presente em muitas outras áreas menos visíveis e menos críticas. O imbróglio representa, também, uma demonstração didática do que acontece quando grandes empresas passam a viver de lobby. Há um preço pesado a pagar, inclusive para elas próprias, quando algo dá errado. Não adianta querer, depois, dizer que a culpa é do mordomo.
João de Oliveira Nemo é sociólogo e consultor de empresas em desenvolvimento gerencial.
Publicado no site MídiaSemMáscara.
Terça-feira, 07 de agosto de 2007
* Refere-se ao discurso do Presidente dos EUA, Ronald Reagan proferido em 28 de janeiro de 1986, devido a tragédia ocorrida com a explosão do ônibus espacial "Challenger", na qual morreram sete astronautas. (P.N.)
por João Nemo
O governo Lulla é uma coletânea interminável de paradoxos. Nunca tivemos um presidente tão ignorante e nunca algum tão apoiado por pretensos intelectuais e “produtores culturais”. Quem acha que Lulla é uma criação do povão inculto tem memória curta. Foi produto típico do meio sindical tornado mito por professores universitários, artistas, escritores e outros ditos “formadores de opinião”. Ouvi, várias vezes, pessoas semi-analfabetas dizerem às vésperas de eleições: "de ignorante já basta eu". A máquina de parasitismo ainda não havia alcançado escala que lhe permitisse distribuir “argumentos” da maneira como faz hoje. Mas o fato é que com empenho de uns e conivência de muitos o artefato está aí; tem e terá lamentáveis conseqüências para esta geração de brasileiros e, sendo muito otimista, pelo menos para mais uma. Não se instala impunemente a minuciosa teia de dominação que vem sendo construída e muito menos se escapa às seqüelas dos métodos que vêm sendo utilizados. Quando sairmos do governo Lulla – vejam que continuo otimista – talvez seja possível corrigir muitos rumos equivocados, mas algumas coisas poderão estar definitivamente destruídas.
No momento, como nunca antes neste país, estamos nos transformando em especialistas em tráfego aéreo. Já somos todos técnicos de futebol; tornamo-nos mestres em economia a partir da hiperinflação; e agora nos dedicaremos, durante um bom tempo, ao novo assunto falando em “grooving”, malha aérea, manete, “spoilers”, reverso etc. As razões, desta vez, são as mais tristes possíveis, mas desde o primeiro momento, a grande preocupação da troupe que nos domina se resumiu em “tirar o seu da reta” para usar a linguagem que eles tanto apreciam e praticam, inclusive no gestual. Não digo isso agora. No artigo publicado em 19 de julho, logo após o acidente de Congonhas, comentei: a primeira medida do "planalto” foi uma reunião de emergência com três ministros de confiança, particularmente o da Comunicação Social, entenda-se “propaganda e contra-informação". Naturalmente eu não imaginava que essa coisa chegaria ao ponto de assistirmos dois aspones comemorando a nota esperada por eles no Jornal Nacional e que falava do tal reverso.
Pouco a pouco, uma fatia por vez, irão surgindo dados que nos levarão, ao fim e ao cabo, às evidências de que o verdadeiro culpado pelo acidente de Congonhas é o mordomo, ou seja, o piloto. Desta feita não dispomos de mordomos estrangeiros para acusar, então, teremos que nos contentar com o produto nacional mesmo. Pouco importa se tinha um milhão de horas de vôo e se era o principal interessado em não se espatifar. Nos últimos segundos terá sido ele que errou.
Quem conhece alguma coisa a respeito de grandes catástrofes, ou mesmo de acidentes comuns, sabe que dificilmente um único fator leva ao desfecho. Há sempre uma porção de “se” que poderiam ter evitado a tragédia. Mesmo que no momento final alguém tenha errado por ação ou omissão isso, isoladamente, não explica o ocorrido. Sabe-se também que desordem, confusão, disfunções nos processos de trabalho, concessões em procedimentos sob pressão, tolerâncias indevidas, referências decisórias confusas, negação parcial de limites etc. compõem, entre outras coisas, o ambiente ideal para ocorrências indesejáveis, incidentes e acidentes. Não é preciso ser um especialista: uma boa professora primária sabe que bagunça na sala ou no pátio facilita acidentes com as crianças.
Quando ocorreu o famoso desastre da nave espacial Challenger nos Estados Unidos, o relatório final do inquérito apontava as falhas técnicas e de projeto identificadas, mas demonstrava que a base fundamental do ocorrido estava num sistema de gestão equivocado e nos defeitos do processo decisório. Nós, ninguém mais se lembra, já cometemos a façanha inédita de matar mais de vinte pessoas com um foguete no chão e desligado. Na ocasião, o nosso presidente agradeceu as condolências da comitiva ucraniana com uma das suas pérolas: "há males que vêm para bem". Um contraste considerável com o pronunciamento* do então Presidente Reagan que se tornaria um clássico.
Diversas ocorrências desnudam a natureza das prioridades e o perfil de caráter dessa gente em cujas mãos, infortunadamente, a nossa deplorável maneira de fazer política colocou os destinos do país e de nós mesmos. A primeira foi a já comentada preocupação imediata de defesa da imagem, patrimônio que consideram o bem mais valioso dos seus ativos e que a reunião de primeira hora revelava; segunda, aquela cena flagrada dos gestos obscenos, cuja verdadeira imoralidade está menos nos gestos do que na mentalidade que os motivou. Terceira,... bem... a terceira ocorrência talvez o futuro nos revele: quem será que "vazou" dados parciais de gravação da caixa-preta para a imprensa ferindo, pela antecipação, inclusive tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário? Que Deus me perdoe os maus pensamentos.
Assim como na novela do mensalão, um razoável número de membros do formigueiro poderão ser sacrificados, desde que se preserve a saúva rainha. Esse sacrifício é sempre bem recompensado, pois deixar ressentidos pelo caminho é perigoso. A imprensa costuma comentar as supostas dificuldades do apedeuta em demitir “companheiros” mas creio que o problema é outro. É preciso prudência e garantias de que o bom cabrito não berre.
Quando nada de mais lamentável parecia possível, o presidente Callamares não resistiu e voltou à sua justificativa predileta: "não sabia" que o problema aéreo brasileiro era tão sério. Incrível! Quando é que essa figura vai saber de alguma coisa? E ainda culpou, de certa forma, os adversários porque nas cinco eleições que disputou a questão não teria sido comentada. Eu também acho que a oposição é um bocado omissa, mas essa agora é de cabo de esquadra. Como é que na cabeça de um petralha ou filopetralha cabe, concomitantemente, a idéia de que Callamares é minimamente capaz para ser presidente, mas consegue ignorar a seriedade e complexidade de algo que vem assolando o país há, pelo menos, um ano? Tudo bem: ele dispõe do Aerolulla onde só viaja rodeado de puxa-sacos. Deve ser isso.
Os dois acidentes ocorridos representam o traço mais dramático e dolorido dessa confusão geral em que o país está metido, visível com mais clareza em áreas e aspectos cuja natureza crítica não permite camuflagem. A praga de gafanhotos está, com certeza, presente em muitas outras áreas menos visíveis e menos críticas. O imbróglio representa, também, uma demonstração didática do que acontece quando grandes empresas passam a viver de lobby. Há um preço pesado a pagar, inclusive para elas próprias, quando algo dá errado. Não adianta querer, depois, dizer que a culpa é do mordomo.
João de Oliveira Nemo é sociólogo e consultor de empresas em desenvolvimento gerencial.
Publicado no site MídiaSemMáscara.
Terça-feira, 07 de agosto de 2007
* Refere-se ao discurso do Presidente dos EUA, Ronald Reagan proferido em 28 de janeiro de 1986, devido a tragédia ocorrida com a explosão do ônibus espacial "Challenger", na qual morreram sete astronautas. (P.N.)
Para ler o discurso acima citado (original em inglês), click aqui.
http://bootlead.blogspot.com
As circunstâncias é que determinam a causa.
1 comment:
Bootlead
Confira www.narizgelado.apostos.com
o real motivo da mudança de 180º no comportamento do JÔ no programa da última 4ª feira
As meninas do JÔ
dá nojo
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