“O bão e o perrverrso”
por João Nemo
Creio que quase todo o mundo conhece aquela anedota do sujeito que, chegando numa rinha de galos, resolveu fazer uma aposta e perguntou ao matuto com cara de entendido qual dos galos era “o bom” mesmo. Ao ser informado que era aquele brancão bonito, pôs uma boa nota na parada para ver o tal galo levar uma tunda rápida do outro, um magrelo preto. Queixou-se com o caboclo que o havia orientado mal e ouviu a resposta: “Aquele é munto bão mêmo; esse qui ganhô qui é o perrverrso”.
Poderíamos, então, acrescentar à lição daquele conto de Machado “Suje-se gordo” mais essa: aposte no perverso ou, pelo menos, na perversão. É o que parece ser a mais luminosa lição do enredo político recente no Brasil.
Se há uma sabedoria por trás dos repetidos acertos de julgamento que este governo e seus representantes vêm cometendo é essa: apostam sempre no lado negro da força, como diria o mestre Jedi. Confiam na fraqueza moral e falta de caráter dos personagens, na mesquinhez humana, no desprezo pela honestidade intelectual e acertam! Não é que optem, necessariamente, na escolha por personagens perversos, mas confiam, e com razão, no preço módico das almas pequenas disponíveis no mercado. Parece haver, também, um prazer mórbido em corromper, expor a pusilanimidade dos espíritos e demonstrar que não há pretendidas convicções que resistam à sedução de umas migalhas na mesa do poder.
Enquanto os mais inocentes de nós ficam na esperança de que haja alguma reserva moral, assistimos os agentes do governo e do seu partido confiarem sempre na falta de caráter alheia e acertarem. Não importa se o sujeito algum dia, posando para a platéia, proferiu cobras e lagartos contra o apedeuta e seus asseclas; não importa se este ou aquele já foi vítima, com razão ou sem ela, de toda peçonha denuncista do partido governante; não importa sequer se foi, algum dia, defenestrado da vida política. Eu, por exemplo, na minha santa ingenuidade, achava que o ex-presidente Collor podia ter todos os defeitos, mas ao menos possuía amor próprio. Diziam alguns que era extremamente arrogante até, mas pude vê-lo na televisão num beija-mão deprimente junto ao grande timoneiro.
O caso do PSDB, que agora esboça uma troca de acenos e sorrisos com o seu suposto adversário, é mais complicado e mereceria uma análise mais completa. De qualquer modo, há componentes de conivência (e não é de hoje), cinismo e instinto suicida. O partido vem se especializando em perder eleições de modo tão canhestro, tropeçando nas próprias pernas, que muita gente boa levanta suspeitas sobre o fato. Pessoalmente, acho que predomina a covardia mesmo, além de um temor patológico de não ser considerado suficientemente de “esquerda”. As ciumeiras, as traições mais ou menos sutis, o exercício interno da capoeira, embora sejam práticas existentes em todos os partidos, adquirem dimensões especiais no tucanato, que vai se tornando o partido do “quase”.
Quem já teve a infeliz idéia de argumentar, no meio político, quanto à necessidade de manter posturas mesmo arrostando perdas, sabe o que é ser olhado como se fosse um completo boboca. Isso hoje significa “não ser do ramo”. É natural que no jogo político, como em qualquer outro, o objetivo primordial seja atingir resultados, mas a questão a definir é: a que custo? Se política, para ser civilizada, exige a arte de transigir, coloca-se imediatamente a questão: o que é e o que não é transigível?
Na doutrina vigente, a única coisa feia é perder. Algum tempo atrás, dizia-se cinicamente que gajo desprezível não era o que roubava, mas sim o que era pego. Demos um passo adiante. Agora não há problema em corromper-se e nem mesmo em ser pego, desde que consiga escapar da punição. Em vez de mensalões ou coisas parecidas, que requerem uma logística relativamente desvendada, o método agora é a cooptação através do acesso direto às fontes de sobrevivência política. É o sistema “self service”. Por isso a farta e inesgotável distribuição de postos a variados partidos nos inúmeros ministérios e penduricalhos estatais e para-estatais, que se multiplicam sempre. Para o contribuinte piorou. Era melhor que dessem logo o dinheiro, em vez de multiplicar geometricamente o número de galhos para dependurar mais macacos. Acabamos pagando pelos galhos e pelos macacos.
Entre nós, ficar distante de cargos e órgãos do poder público equivale a secar no deserto. Não há vida política fora dessa fonte ou dos seus derivativos: sindicatos, ONGs e outros meios de gastar dinheiro de impostos. As instituições públicas não são, prioritariamente, para prestar serviços, mas para conferir prestígio e garantir verbas e votos.
A última eleição constituiu-se numa façanha cultural dessa linha. É triste, mas no processo corrompeu-se a alma de uma extensa fatia da população. Engana-se quem acha que a maioria dos brasileiros considera o apedeuta desinformado ou inocente do rosário de escândalos que vieram à tona. Sutilmente, foi-lhes passada a mensagem de que os políticos são todos a mesma porcaria, mas com esse, pelo menos, se pode tirar uma lasquinha, seja através de uma bolsa, seja via “cota”, um crédito consignado, etc. Não se despreze, também, o gostinho sádico de imaginar que a tosca figura que nos preside represente uma pedra no sapato dos “bacanas”, que têm algum dinheiro ou que estudaram e por isso, supostamente, acham que são melhores. Sobre esse dom para cultivar antagonismos escreverei noutra oportunidade.
A última curiosidade a ilustrar o cenário, não pela sua importância em si, mas pelo conteúdo simbólico que arrasta, foi a cooptação do exótico professor de Harvard que, até recentemente, exigia o impedimento de Lulla num indignado texto na internet, alegando tratar-se do governo mais corrupto da história. Talvez estivesse com a razão, mas para provar que tudo vale a pena “até quando a alma é pequena” aceitou de pronto o trigésimo sexto cargo de ministro, numa tal Secretaria Especial de Ações de Longo Prazo, já apelidada de Sealopra.
Apesar do inusitado, esse fato desperta, a meu ver, alguma esperança. Quem sabe não se trata do início de uma reforma ministerial de verdade? Poderíamos formar um gabinete com apenas três pastas: Ações de Curto Prazo, Ações de Médio Prazo e essa, já criada, para as Ações de Longo Prazo. Economizaríamos 33 ministérios e acho que não faria muita diferença.
João de Oliveira Nemo é sociólogo e consultor de empresas em desenvolvimento gerencial.
Publicado no site " MídiaSemMáscara".
Terça-feira, 15 de maio de 2007
http://bootlead.blogspot.com
Retrato do "governo" petista.
por João Nemo
Creio que quase todo o mundo conhece aquela anedota do sujeito que, chegando numa rinha de galos, resolveu fazer uma aposta e perguntou ao matuto com cara de entendido qual dos galos era “o bom” mesmo. Ao ser informado que era aquele brancão bonito, pôs uma boa nota na parada para ver o tal galo levar uma tunda rápida do outro, um magrelo preto. Queixou-se com o caboclo que o havia orientado mal e ouviu a resposta: “Aquele é munto bão mêmo; esse qui ganhô qui é o perrverrso”.
Poderíamos, então, acrescentar à lição daquele conto de Machado “Suje-se gordo” mais essa: aposte no perverso ou, pelo menos, na perversão. É o que parece ser a mais luminosa lição do enredo político recente no Brasil.
Se há uma sabedoria por trás dos repetidos acertos de julgamento que este governo e seus representantes vêm cometendo é essa: apostam sempre no lado negro da força, como diria o mestre Jedi. Confiam na fraqueza moral e falta de caráter dos personagens, na mesquinhez humana, no desprezo pela honestidade intelectual e acertam! Não é que optem, necessariamente, na escolha por personagens perversos, mas confiam, e com razão, no preço módico das almas pequenas disponíveis no mercado. Parece haver, também, um prazer mórbido em corromper, expor a pusilanimidade dos espíritos e demonstrar que não há pretendidas convicções que resistam à sedução de umas migalhas na mesa do poder.
Enquanto os mais inocentes de nós ficam na esperança de que haja alguma reserva moral, assistimos os agentes do governo e do seu partido confiarem sempre na falta de caráter alheia e acertarem. Não importa se o sujeito algum dia, posando para a platéia, proferiu cobras e lagartos contra o apedeuta e seus asseclas; não importa se este ou aquele já foi vítima, com razão ou sem ela, de toda peçonha denuncista do partido governante; não importa sequer se foi, algum dia, defenestrado da vida política. Eu, por exemplo, na minha santa ingenuidade, achava que o ex-presidente Collor podia ter todos os defeitos, mas ao menos possuía amor próprio. Diziam alguns que era extremamente arrogante até, mas pude vê-lo na televisão num beija-mão deprimente junto ao grande timoneiro.
O caso do PSDB, que agora esboça uma troca de acenos e sorrisos com o seu suposto adversário, é mais complicado e mereceria uma análise mais completa. De qualquer modo, há componentes de conivência (e não é de hoje), cinismo e instinto suicida. O partido vem se especializando em perder eleições de modo tão canhestro, tropeçando nas próprias pernas, que muita gente boa levanta suspeitas sobre o fato. Pessoalmente, acho que predomina a covardia mesmo, além de um temor patológico de não ser considerado suficientemente de “esquerda”. As ciumeiras, as traições mais ou menos sutis, o exercício interno da capoeira, embora sejam práticas existentes em todos os partidos, adquirem dimensões especiais no tucanato, que vai se tornando o partido do “quase”.
Quem já teve a infeliz idéia de argumentar, no meio político, quanto à necessidade de manter posturas mesmo arrostando perdas, sabe o que é ser olhado como se fosse um completo boboca. Isso hoje significa “não ser do ramo”. É natural que no jogo político, como em qualquer outro, o objetivo primordial seja atingir resultados, mas a questão a definir é: a que custo? Se política, para ser civilizada, exige a arte de transigir, coloca-se imediatamente a questão: o que é e o que não é transigível?
Na doutrina vigente, a única coisa feia é perder. Algum tempo atrás, dizia-se cinicamente que gajo desprezível não era o que roubava, mas sim o que era pego. Demos um passo adiante. Agora não há problema em corromper-se e nem mesmo em ser pego, desde que consiga escapar da punição. Em vez de mensalões ou coisas parecidas, que requerem uma logística relativamente desvendada, o método agora é a cooptação através do acesso direto às fontes de sobrevivência política. É o sistema “self service”. Por isso a farta e inesgotável distribuição de postos a variados partidos nos inúmeros ministérios e penduricalhos estatais e para-estatais, que se multiplicam sempre. Para o contribuinte piorou. Era melhor que dessem logo o dinheiro, em vez de multiplicar geometricamente o número de galhos para dependurar mais macacos. Acabamos pagando pelos galhos e pelos macacos.
Entre nós, ficar distante de cargos e órgãos do poder público equivale a secar no deserto. Não há vida política fora dessa fonte ou dos seus derivativos: sindicatos, ONGs e outros meios de gastar dinheiro de impostos. As instituições públicas não são, prioritariamente, para prestar serviços, mas para conferir prestígio e garantir verbas e votos.
A última eleição constituiu-se numa façanha cultural dessa linha. É triste, mas no processo corrompeu-se a alma de uma extensa fatia da população. Engana-se quem acha que a maioria dos brasileiros considera o apedeuta desinformado ou inocente do rosário de escândalos que vieram à tona. Sutilmente, foi-lhes passada a mensagem de que os políticos são todos a mesma porcaria, mas com esse, pelo menos, se pode tirar uma lasquinha, seja através de uma bolsa, seja via “cota”, um crédito consignado, etc. Não se despreze, também, o gostinho sádico de imaginar que a tosca figura que nos preside represente uma pedra no sapato dos “bacanas”, que têm algum dinheiro ou que estudaram e por isso, supostamente, acham que são melhores. Sobre esse dom para cultivar antagonismos escreverei noutra oportunidade.
A última curiosidade a ilustrar o cenário, não pela sua importância em si, mas pelo conteúdo simbólico que arrasta, foi a cooptação do exótico professor de Harvard que, até recentemente, exigia o impedimento de Lulla num indignado texto na internet, alegando tratar-se do governo mais corrupto da história. Talvez estivesse com a razão, mas para provar que tudo vale a pena “até quando a alma é pequena” aceitou de pronto o trigésimo sexto cargo de ministro, numa tal Secretaria Especial de Ações de Longo Prazo, já apelidada de Sealopra.
Apesar do inusitado, esse fato desperta, a meu ver, alguma esperança. Quem sabe não se trata do início de uma reforma ministerial de verdade? Poderíamos formar um gabinete com apenas três pastas: Ações de Curto Prazo, Ações de Médio Prazo e essa, já criada, para as Ações de Longo Prazo. Economizaríamos 33 ministérios e acho que não faria muita diferença.
João de Oliveira Nemo é sociólogo e consultor de empresas em desenvolvimento gerencial.
Publicado no site " MídiaSemMáscara".
Terça-feira, 15 de maio de 2007
http://bootlead.blogspot.com
Retrato do "governo" petista.
1 comment:
Já sabemos porque o tal "vulgo, "Daniel", tá prá cima e pra baixo do Tocantins e Mato GRosso Sul, de jatinho talvez pago por nós. Buscando "osso plantado", por legistas acima de qquer suspeita.
Estamos de olho!!
Abram os seus FFAAS.
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