Não é fácil ser Obama
por João Mellão Neto
Meio século atrás, em certa cidadezinha do sertão de Minas, surgiu um sujeito bem apessoado, de barbas e cabelos longos, que afirmava ser ninguém menos do que Jesus Cristo. Tanto e com tal veemência ele insistiu que o povo da cidade começou a se amoldar à circunstância de ter, entre si, o Filho de Deus. Logo surgiram um Pôncio Pilatos, uma Madalena arrependida, 12 apóstolos, centuriões romanos e todos os personagens necessários para levar à frente a Paixão de Cristo. O sujeito foi preso e julgado. Foi devidamente condenado a morrer na cruz. Iniciou-se, então, a via crúcis. Tudo corria de modo impecável até que o tal do messias sertanejo, no momento de ser pregado na cruz, cochichou no ouvido de um dos soldados que iria até a moita mais próxima se aliviar. Foi, sumiu e nunca mais deu as caras por ali. Escafedeu-se. Tratou de dar no pé e, assim, salvar a própria pele.
O povo local nunca mais se recuperou. Todos, traumatizados, ainda aguardam o retorno do messias. E assim ficarão até o fim dos tempos.
Em meados de 1961, o jornalista David Nasser valeu-se dessa parábola para traduzir a estupefação dos brasileiros diante da renúncia do presidente Jânio Quadros.
Voltando à atualidade, ninguém desejaria, neste momento, estar na pele de Barack Obama. Como outros 2 bilhões de espectadores - um terço da população mundial -, todos assistimos, pela TV, à sua posse. Não havia, naqueles tensos instantes, quem não estivesse, em todos os cantos da Terra, depositando em seus ombros a obrigação de nos livrar dos problemas e, simplesmente, fazer-nos felizes.
Não bastará, assim, a Obama, ser um bom presidente. O que se espera dele, no mínimo, é que seja excepcional. Ou ele se demonstra, já no início, um dos maiores estadistas da história dos EUA ou, então, cairá na vala comum ocupada por tantos outros colegas seus.
Que Obama chama a atenção pela sua condição racial, isso é fato. Ele prometeu mudanças, rupturas. E, perante o imaginário coletivo, a sua negritude é o mais eloquente símbolo dessa proposta.
Há, no entanto, uma peculiaridade que, como negro norte-americano, distingue o presidente Obama: ele não descende de escravos e, portanto, não tem a cobrança e o ressentimento em sua agenda política.
Sua vitória nas urnas não foi tão arrasadora como se quer crer e tampouco lhe garante uma maioria confortável e incondicional no Congresso.
Seu pacote de estímulo econômico é de mais de US$ 800 bilhões. É muito dinheiro. Representa 5% do produto interno bruto (PIB) dos EUA. O governo do país não dispõe de tal quantia e, assim, ela virá de um aumento considerável do endividamento público.
Trata-se, na prática, de um cheque sem fundos. O debate sobre como e quem pagará essa dívida é o que divide, hoje em dia, os economistas.
Essa discussão, para nós, brasileiros, parece absurda. O que está em jogo é o tamanho do Estado e o seu papel na economia. Entre nós, o Estado é gigantesco e vem intervindo fortemente na economia, sob os mais diversos pretextos, desde, pelo menos, os anos 30 do século passado.
Nos EUA há, atualmente, duas grandes vertentes no pensamento econômico.
De um lado estão os intervencionistas, ou neokeynesianos. Para eles, o papel do Estado é fundamental para promover uma retomada dos investimentos, em geral. Com isso os empregos seriam mantidos e a recessão terminaria. O principal argumento deles é o de que foi graças a uma política econômica semelhante que o presidente Franklin Delano Roosevelt logrou acabar com a Grande Depressão que assolou os EUA a partir de 1929. Para eles, todo e qualquer investimento público - mesmo que não haja dinheiro disponível para cobri-lo - é justificável. O aumento da arrecadação de impostos resultante de tais estímulos acaba quitando a dívida.
Segundo os discípulos de Keynes, numa recessão, mesmo que o Estado contrate uma equipe de trabalhadores para abrir buracos e outra para tapá-los, o dinheiro gasto para tanto tem um efeito claramente multiplicador na economia. O raciocínio é o seguinte: os trabalhadores, empregados em tais serviços "inúteis", gastarão os seus salários no comércio, em geral. Os comerciantes, com esse dinheiro em mãos, tratarão de investi-lo na compra de novos estoques de mercadorias, ou mesmo na criação de mais empregos. Ao adquirir novos estoques, o comércio fará as indústrias produzirem mais. Todos os tributos arrecadados na cadeia produtiva em razão do investimento inicial do governo (abrir e tapar buracos) acabam repondo o dinheiro gasto.
De outro lado está a corrente clássica, ou "monetarista", para a qual o Estado não é solução, e sim problema. Eles afirmam que a Grande Depressão não terminou em função da política de Roosevelt, e sim da entrada dos EUA na 2ª Guerra Mundial. Isso gerou novas demandas, que levantaram o parque industrial inteiro. Em tempos de paz, os únicos papéis válidos do Estado, para atenuar a crise, são: 1) Garantir a liquidez do sistema financeiro e 2) reduzir os impostos para que as pessoas tenham mais dinheiro disponível em mãos para consumir. Esta é a doutrina econômica e política que nós, liberais, sempre pregamos.
O pacote de Obama, curiosamente, contempla providências que são, ora do agrado de uma corrente econômica, ora do de outra. Procura atrair gregos e troianos... Como reza a sabedoria popular, quem põe um pé em cada canoa acaba sempre com os fundilhos na água...
O tempo dirá com quem está a razão. O que se pode afirmar, por enquanto, é que a sua situação, agora, é bem mais desconfortável do que a do Cristo mineiro. Nem pular fora ele pode. Realmente, não é fácil ser Obama...
O povo local nunca mais se recuperou. Todos, traumatizados, ainda aguardam o retorno do messias. E assim ficarão até o fim dos tempos.
Em meados de 1961, o jornalista David Nasser valeu-se dessa parábola para traduzir a estupefação dos brasileiros diante da renúncia do presidente Jânio Quadros.
Voltando à atualidade, ninguém desejaria, neste momento, estar na pele de Barack Obama. Como outros 2 bilhões de espectadores - um terço da população mundial -, todos assistimos, pela TV, à sua posse. Não havia, naqueles tensos instantes, quem não estivesse, em todos os cantos da Terra, depositando em seus ombros a obrigação de nos livrar dos problemas e, simplesmente, fazer-nos felizes.
Não bastará, assim, a Obama, ser um bom presidente. O que se espera dele, no mínimo, é que seja excepcional. Ou ele se demonstra, já no início, um dos maiores estadistas da história dos EUA ou, então, cairá na vala comum ocupada por tantos outros colegas seus.
Que Obama chama a atenção pela sua condição racial, isso é fato. Ele prometeu mudanças, rupturas. E, perante o imaginário coletivo, a sua negritude é o mais eloquente símbolo dessa proposta.
Há, no entanto, uma peculiaridade que, como negro norte-americano, distingue o presidente Obama: ele não descende de escravos e, portanto, não tem a cobrança e o ressentimento em sua agenda política.
Sua vitória nas urnas não foi tão arrasadora como se quer crer e tampouco lhe garante uma maioria confortável e incondicional no Congresso.
Seu pacote de estímulo econômico é de mais de US$ 800 bilhões. É muito dinheiro. Representa 5% do produto interno bruto (PIB) dos EUA. O governo do país não dispõe de tal quantia e, assim, ela virá de um aumento considerável do endividamento público.
Trata-se, na prática, de um cheque sem fundos. O debate sobre como e quem pagará essa dívida é o que divide, hoje em dia, os economistas.
Essa discussão, para nós, brasileiros, parece absurda. O que está em jogo é o tamanho do Estado e o seu papel na economia. Entre nós, o Estado é gigantesco e vem intervindo fortemente na economia, sob os mais diversos pretextos, desde, pelo menos, os anos 30 do século passado.
Nos EUA há, atualmente, duas grandes vertentes no pensamento econômico.
De um lado estão os intervencionistas, ou neokeynesianos. Para eles, o papel do Estado é fundamental para promover uma retomada dos investimentos, em geral. Com isso os empregos seriam mantidos e a recessão terminaria. O principal argumento deles é o de que foi graças a uma política econômica semelhante que o presidente Franklin Delano Roosevelt logrou acabar com a Grande Depressão que assolou os EUA a partir de 1929. Para eles, todo e qualquer investimento público - mesmo que não haja dinheiro disponível para cobri-lo - é justificável. O aumento da arrecadação de impostos resultante de tais estímulos acaba quitando a dívida.
Segundo os discípulos de Keynes, numa recessão, mesmo que o Estado contrate uma equipe de trabalhadores para abrir buracos e outra para tapá-los, o dinheiro gasto para tanto tem um efeito claramente multiplicador na economia. O raciocínio é o seguinte: os trabalhadores, empregados em tais serviços "inúteis", gastarão os seus salários no comércio, em geral. Os comerciantes, com esse dinheiro em mãos, tratarão de investi-lo na compra de novos estoques de mercadorias, ou mesmo na criação de mais empregos. Ao adquirir novos estoques, o comércio fará as indústrias produzirem mais. Todos os tributos arrecadados na cadeia produtiva em razão do investimento inicial do governo (abrir e tapar buracos) acabam repondo o dinheiro gasto.
De outro lado está a corrente clássica, ou "monetarista", para a qual o Estado não é solução, e sim problema. Eles afirmam que a Grande Depressão não terminou em função da política de Roosevelt, e sim da entrada dos EUA na 2ª Guerra Mundial. Isso gerou novas demandas, que levantaram o parque industrial inteiro. Em tempos de paz, os únicos papéis válidos do Estado, para atenuar a crise, são: 1) Garantir a liquidez do sistema financeiro e 2) reduzir os impostos para que as pessoas tenham mais dinheiro disponível em mãos para consumir. Esta é a doutrina econômica e política que nós, liberais, sempre pregamos.
O pacote de Obama, curiosamente, contempla providências que são, ora do agrado de uma corrente econômica, ora do de outra. Procura atrair gregos e troianos... Como reza a sabedoria popular, quem põe um pé em cada canoa acaba sempre com os fundilhos na água...
O tempo dirá com quem está a razão. O que se pode afirmar, por enquanto, é que a sua situação, agora, é bem mais desconfortável do que a do Cristo mineiro. Nem pular fora ele pode. Realmente, não é fácil ser Obama...
João Mellão Neto, nasceu na cidade de São Paulo, SP em 06/11/1955, filho de comerciante de café e agro-pecuarista estudou administração de empresas na Fundação Getúlio Vargas e jornalismo na Fundação Cásper Líbero. João Mellão Neto tem seus artigos publicados, todas as sextas-feiras na página 2 do jornal "O Estado de S. Paulo". Como escritor já publicou diversos livros na área do "pensamento político liberal", em vista que João Mellão também teve uma carreira política bastante diversificada para sua idade, sendo quatro vezes secretário municipal, cumpriu dois mandatos de deputado federal e foi Ministro do Trabalho e da Administração, atualmente é deputado estadual em São Paulo (DEM).
E-mail: jmellao@al.sp.gov.br
E-mail: jmellao@al.sp.gov.br
Publicado no jornal "O Estado de S. Paulo" (Editorial Opinião).
Sexta-Feira, 30 de janeiro de 2009.
Leia também: VERDADE, HONRA, VERGONHA – Maria Lucia Victor Barbosa
http://bootlead.blogspot.com
Veremos, se será capaz de ressuscitar.
2 comments:
A crise, que começou financeira, transformou-se em econômica e, na ausência de governo, já está se transformando em crise social. A crise social é reflexo, à primeira vista, do maciço desemprego e na conseqüente queda de consumo e na inadimplência que acarretam menor produção e mais desemprego.
Insensível, o governo já projeta a mesma arrecadação de impostos verificada no ano passado, haja vista o impostômetro apresentar valor de 100 bilhões no mês de janeiro, o que projeta arrecadação de 1,1 trilhão de reais no ano. Um fio muito tênue, ao mesmo tempo em que separa, une a crise social à violência, principalmente nos grandes centros urbanos.
Os empregados, mais prudentes que o governo sindicalista, já abrem mão de salários integrais com a correspondente redução de jornada de trabalho, a fim de manter seus empregos. Mas, o governo perdulário, até agora não acenou com a redução de impostos e de gastos, como se vivesse num universo paralelo, imune aos problemas dos mortais que os sustentam.
Em breve teremos convulsão social e, sem forças armadas, uma possível guerra civil, de conseqüências castatróficas.
"LIBERTAS QUAE SERA TAMEN"
Vai ser fácil se decepcionar com Obama, até mesmo por motivos justos e razoáveis... Tantas esperanças!...
Mas dizem que ele gosta de ler, os EUA tem um festival de grandes líderes em q ele pode se inspirar. E o fracasso de Obama, seria tb nosso fracasso. Felicidades para ele então!
Obrigado pelo comentário em meu blog. Devo confessar, porém, q n esperava; afinal, minha intenção era fazer uma pequena e tímida provocação. (risos)
Afinal, de certa forma, eu estou do outro lado da mesa na discussão política.
Abraços!
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