Foi um vexame: a "Síndrome Motorista de Táxi" derrubou Lula
por Reinaldo Azevedo
Comecemos pelo fim: este foi o confronto em que o tucano Geraldo Alckmin teve o melhor desempenho, e o petista Luiz Inácio Lula da Silva, o pior. Dos quatro debates havidos neste segundo turno, o pessedebista venceu três (Band, Record e Globo), e Lula, apenas um (SBT). Evidência: Alckmin venceu quando jogou no ataque. No SBT, testou aquela linha tecnocrático-propositiva. Isso, com Lula, que é chegado a uma generalidade a um senso comum, é sempre um perigo. Mas o dia e o formato do embate da Globo foram particularmente perversos para o petista.
Síndrome Motorista de Táxi
O leitor vai entender direitinho o que é isso. A maioria dos motoristas, cansados de conduzir os passageiros pra lá e pra cá o dia inteiro, ficam tendo idéias sobre como solucionar os problemas da humanidade: do buraco de rua à crise em Bagdá, eles sempre têm uma resposta. O Casseta & Planeta até aproveitou esse furor propositivo da categoria num quadro de humor.
Reparem que, na maioria das vezes, as coisas que dizem são irrespondíveis. Não que estejam certas. Ocorre que vêm formuladas de uma maneira, digamos, impenetrável. Olham para você e mandam ver: “Esse governo dá muito mole pra bandido, não dá?”. É claro que concordamos com ele. Mas vai saber o que ele quer dizer com isso... Pena de morte? Linchamento? Regime de Segurança Máxima? Ou então: “Vou falar pro senhor: política é uma merda. Se eu não ficar aqui 15 horas dirigindo, não ponho comida em casa”. De novo, ele tem razão. Mas o que será que ele quer? Ditadura? Revolução? Só reclamar da vida? É por isso que quase sempre nos limitamos a ouvir e a anuir com o que é dito. Entrar em detalhes pareceria difícil ou pernóstico. Ou imaginem: “Sabe o que é? Na democracia, a crise da representação...” Esqueça. Ele não quer saber o que você pensa. Quer dizer o que ele pensa.
O candidato que se diz popular, “do povo”, que conhece a linguagem das ruas, deu-se mal justamente com essas obviedades que se falam na rua. A Cristiane Santana, do Rio, por exemplo, afirmou conhecer um monte de gente desempregada. Um irmão seu está sem trabalho há um ano. Eis aí: um jornalista jamais faria uma pergunta como essa. Mesmo um candidato não a formularia com tal crueza. De que valem os 7,5 milhões de empregos que Lula diz ter criado? O irmão da Cristiane o desmente. Aí, o Dêivison fala da violência. Muitos amigos já morreram. Os problemas ganham dimensão concreta.
Realidade atrapalha. E sem ficha
A realidade tomada em sua particularidade é sempre pior para um candidato da situação. Por uma razão simples: problemas sempre existirão. Se aqueles que estão ali são indecisos, sinal de que estão, quando menos, em dúvida na avaliação das respostas até agora apresentadas pelo governo. Em tese, Lula nadaria de braçada porque saberia falar aquela linguagem. Mas esqueceu. Ele se tornou uma espécie de idiota da macroeconomia, opondo sempre números gigantescos a questões muito particulares.
Pior: como os candidatos, a exemplo dos debates que acontecem nos EUA, são obrigados a ficar transitando no palco, gesticulando, falando, o petista não pôde consultar as suas fichas. Restou-lhe o recurso de acusar todo mundo por tudo. Chegou, como costuma acontecer, às caravelas de Cabral. Também tentou ser irônico e desqualificar as respostas de Alckmin. Caiu na grosseria pura e simples. Chamou o Programa Bolsa-Cidadão do governo de São Paulo de “cheque sei lá das quantas”.
Ultrapassagem
O tucano, ao contrário, soube lidar melhor com as minudências levadas pelos indecisos porque tem grande facilidade de memorizar números. Ao contrário de Lula, gosta de detalhes. Conseguia transformar os problemas privados em questões de administração pública. E fez pelo menos três grandes ultrapassagens (fosse uma corrida): quando exigiu respeito ao programa Bolsa-Cidadão; quando, aludindo à indagação de Lula sobre “de onde iria tirar o dinheiro” para seus programas, provocou: “Pensei que ele fosse dizer de onde saiu o dinheiro do dossiê”. E quando afirmou que os líderes do PCC estão na cadeia, mas os da quadrilha que operavam no governo estão soltos.
Lula pode ter sido prejudicado também pelo salto alto. Por mais que ele mesmo tenha dito ser preciso evitá-lo, mal conseguia disfarçar a irritação. Ao ir para o debate com 20 ou mais pontos de vantagem nas pesquisas — segundo os institutos ao menos —, transpirava impaciência. Alckmin também jogou bem melhor sem a bola, quando sabia que, mesmo sendo hora da resposta do outro, estava enquadrado pela câmera: alternava sinais de negativo com a cabeça com um rosto tranqüilo, um sorriso quase sempre amistoso, raramente um tanto cínico. Lula, ao contrário, fechava a cara, olhando por baixo, como quem está sendo desafiado e se prepara para dar um pito.
A eleição é amanhã. Em que esse debate pode alterar o resultado? Talvez leve para Alckmin uns pontos a mais, evitando que Lula fique na casa dos 60% dos válidos. Mas quem vai saber. Eu já disse o que penso sobre a avaliação dos debates. Se você fizer agora uma pesquisa, o resultado óbvio será o seguinte: Lula ganhou. Afinal, ele está na frente. As coisas se confundem. Mas não ganhou. Levou uma sova feia. Estando certos os institutos, no entanto, é claro que não dá pra reverter o resultado.
Mas é fato que quem viu o debate, e isso inclui os eleitores convictos de Lula, não teve como não constatar que o tucano tem mais preparo. Em 2002, o Brasil escolheu quem sonha menos. E, agora, tudo indica, fará o mesmo. Lula, quem diria?, levou o maior tropeção nos debates justamente quando o tal “povo” entrou na conta.
por Reinaldo Azevedo
Comecemos pelo fim: este foi o confronto em que o tucano Geraldo Alckmin teve o melhor desempenho, e o petista Luiz Inácio Lula da Silva, o pior. Dos quatro debates havidos neste segundo turno, o pessedebista venceu três (Band, Record e Globo), e Lula, apenas um (SBT). Evidência: Alckmin venceu quando jogou no ataque. No SBT, testou aquela linha tecnocrático-propositiva. Isso, com Lula, que é chegado a uma generalidade a um senso comum, é sempre um perigo. Mas o dia e o formato do embate da Globo foram particularmente perversos para o petista.
Síndrome Motorista de Táxi
O leitor vai entender direitinho o que é isso. A maioria dos motoristas, cansados de conduzir os passageiros pra lá e pra cá o dia inteiro, ficam tendo idéias sobre como solucionar os problemas da humanidade: do buraco de rua à crise em Bagdá, eles sempre têm uma resposta. O Casseta & Planeta até aproveitou esse furor propositivo da categoria num quadro de humor.
Reparem que, na maioria das vezes, as coisas que dizem são irrespondíveis. Não que estejam certas. Ocorre que vêm formuladas de uma maneira, digamos, impenetrável. Olham para você e mandam ver: “Esse governo dá muito mole pra bandido, não dá?”. É claro que concordamos com ele. Mas vai saber o que ele quer dizer com isso... Pena de morte? Linchamento? Regime de Segurança Máxima? Ou então: “Vou falar pro senhor: política é uma merda. Se eu não ficar aqui 15 horas dirigindo, não ponho comida em casa”. De novo, ele tem razão. Mas o que será que ele quer? Ditadura? Revolução? Só reclamar da vida? É por isso que quase sempre nos limitamos a ouvir e a anuir com o que é dito. Entrar em detalhes pareceria difícil ou pernóstico. Ou imaginem: “Sabe o que é? Na democracia, a crise da representação...” Esqueça. Ele não quer saber o que você pensa. Quer dizer o que ele pensa.
O candidato que se diz popular, “do povo”, que conhece a linguagem das ruas, deu-se mal justamente com essas obviedades que se falam na rua. A Cristiane Santana, do Rio, por exemplo, afirmou conhecer um monte de gente desempregada. Um irmão seu está sem trabalho há um ano. Eis aí: um jornalista jamais faria uma pergunta como essa. Mesmo um candidato não a formularia com tal crueza. De que valem os 7,5 milhões de empregos que Lula diz ter criado? O irmão da Cristiane o desmente. Aí, o Dêivison fala da violência. Muitos amigos já morreram. Os problemas ganham dimensão concreta.
Realidade atrapalha. E sem ficha
A realidade tomada em sua particularidade é sempre pior para um candidato da situação. Por uma razão simples: problemas sempre existirão. Se aqueles que estão ali são indecisos, sinal de que estão, quando menos, em dúvida na avaliação das respostas até agora apresentadas pelo governo. Em tese, Lula nadaria de braçada porque saberia falar aquela linguagem. Mas esqueceu. Ele se tornou uma espécie de idiota da macroeconomia, opondo sempre números gigantescos a questões muito particulares.
Pior: como os candidatos, a exemplo dos debates que acontecem nos EUA, são obrigados a ficar transitando no palco, gesticulando, falando, o petista não pôde consultar as suas fichas. Restou-lhe o recurso de acusar todo mundo por tudo. Chegou, como costuma acontecer, às caravelas de Cabral. Também tentou ser irônico e desqualificar as respostas de Alckmin. Caiu na grosseria pura e simples. Chamou o Programa Bolsa-Cidadão do governo de São Paulo de “cheque sei lá das quantas”.
Ultrapassagem
O tucano, ao contrário, soube lidar melhor com as minudências levadas pelos indecisos porque tem grande facilidade de memorizar números. Ao contrário de Lula, gosta de detalhes. Conseguia transformar os problemas privados em questões de administração pública. E fez pelo menos três grandes ultrapassagens (fosse uma corrida): quando exigiu respeito ao programa Bolsa-Cidadão; quando, aludindo à indagação de Lula sobre “de onde iria tirar o dinheiro” para seus programas, provocou: “Pensei que ele fosse dizer de onde saiu o dinheiro do dossiê”. E quando afirmou que os líderes do PCC estão na cadeia, mas os da quadrilha que operavam no governo estão soltos.
Lula pode ter sido prejudicado também pelo salto alto. Por mais que ele mesmo tenha dito ser preciso evitá-lo, mal conseguia disfarçar a irritação. Ao ir para o debate com 20 ou mais pontos de vantagem nas pesquisas — segundo os institutos ao menos —, transpirava impaciência. Alckmin também jogou bem melhor sem a bola, quando sabia que, mesmo sendo hora da resposta do outro, estava enquadrado pela câmera: alternava sinais de negativo com a cabeça com um rosto tranqüilo, um sorriso quase sempre amistoso, raramente um tanto cínico. Lula, ao contrário, fechava a cara, olhando por baixo, como quem está sendo desafiado e se prepara para dar um pito.
A eleição é amanhã. Em que esse debate pode alterar o resultado? Talvez leve para Alckmin uns pontos a mais, evitando que Lula fique na casa dos 60% dos válidos. Mas quem vai saber. Eu já disse o que penso sobre a avaliação dos debates. Se você fizer agora uma pesquisa, o resultado óbvio será o seguinte: Lula ganhou. Afinal, ele está na frente. As coisas se confundem. Mas não ganhou. Levou uma sova feia. Estando certos os institutos, no entanto, é claro que não dá pra reverter o resultado.
Mas é fato que quem viu o debate, e isso inclui os eleitores convictos de Lula, não teve como não constatar que o tucano tem mais preparo. Em 2002, o Brasil escolheu quem sonha menos. E, agora, tudo indica, fará o mesmo. Lula, quem diria?, levou o maior tropeção nos debates justamente quando o tal “povo” entrou na conta.
Reinaldo Azevedo é jornalista, guia cultural, assessor de imprensa e blogueiro. Foi editor-chefe da revista Primeira Leitura, colunista da revista Bravo! e também editor do jornal Folha de S. Paulo. Escreve freqüentemente sobre política nos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo, hoje é colunista da revista Veja. Formado em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) e em Jornalismo pela Universidade Metodista, foi professor de literatura e redação dos colégios Quarup, Singular e do curso Anglo.
Publicado no "Blog Reinaldo Azevedo".
Domingo, 28 de outubro de 2006, 02h24.
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Debate - Reinaldo Azevedo
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