Wednesday, January 21, 2009

ZARPOU! RUMO AO DESASTRE INEVITÁVEL.










































O ADVENTO
por Reinaldo Azevedo

Talvez eu devesse começar este texto me desculpando por não estar assim muito emocionado. E o artigo é longo. Daqueles que, dizem, não devem ser escritos em blogs. Mas eu os escrevo, como sabem.

As pessoas se emocionam pelos mais diversos motivos, os mais tolos às vezes. Confesso que raramente me comovo diante do discurso de um "amigo de gente". Faço referência a um poema de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa), a saber:

XXXII

Ontem à tarde um homem das cidades
Falava à porta da estalagem.
Falava comigo também.
Falava da justiça e da luta para haver justiça
E dos operários que sofrem,
E do trabalho constante, e dos que têm fome,
E dos ricos, que só têm costas para isso.

E, olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos.
E sorriu com agrado, julgando que eu sentia
O ódio que ele sentia, e a compaixão
Que ele dizia que sentia.

(Mas eu mal o estava ouvindo.
Que me importam a mim os homens
E o que sofrem ou supõem que sofrem?
Sejam como eu -não sofrerão.
Todo o mal do mundo vem de nos importarmos uns com os outros,
Quer para fazer bem, quer para fazer mal.
A nossa alma e o céu e a terra bastam-nos.
Querer mais é perder isto, e ser infeliz.)

Eu no que estava pensando
Quando o amigo de gente falava
(E isso me comoveu até às lágrimas),
Era em como o murmúrio longínquo dos chocalhos
A esse entardecer
Não parecia os sinos duma capela pequenina
A que fossem à missa as flores e os regatos
E as almas simples como a minha.

(Louvado seja Deus que não sou bom,
E tenho o egoísmo natural das flores
E dos rios que seguem o seu caminho
Preocupados sem o saber
Só com o florir e ir correndo.
É essa a única missão no Mundo,
Essa -existir claramente,
E saber fazê-lo sem pensar nisso.)

E o homem calara-se, olhando o poente.
Mas que tem com o poente quem odeia e ama?


Louvado seja Deus que não sou bom. "Ah, não misture as coisas, Reinaldo Azevedo; não misture um poema com um evento político de notável importância". Não misturo. Fiquem tranqüilos. Não junto lágrimas com política. Assisti ontem à posse de Obama com bastante interesse, é certo. Mas lastimando também um momento não muito feliz da imprensa — num fenômeno de escala mundial.

É óbvio que não nego o que há de espetacular na posse do "primeiro presidente negro dos Estados Unidos", um homem praticamente desconhecido até havia quatro anos, alçado ao posto de comandante do mais importante e poderoso país do mundo etc... Sim, é claro: há algo de sensacional nisso. E certamente o evento diz muito das qualidades pessoais de Obama. Mas ele também é fruto, curiosamente, da vitória dos inimigos da América. E podem se tranqüilizar os que imaginam que vou aqui exercitar teorias conspiratórias e anunciar que o Grande Satã se apoderou do Cálice Sagrado. Nada disso. Chegarei ao ponto.

Os Estados Unidos estão às voltas com muitos problemas, derivados das guerras, do combate ao terrorismo e da crise econômica. A gestão de George W. Bush, agora aposentado, certamente responde por alguns deles — mas não por todos. E daí? O ódio a Bush começou a ser construído de modo virulento já no dia seguinte ao 11 de Setembro de 2001, com oito meses incompletos de mandato. Nasceu nas eleições de 2000, quando, acredita-se, ele roubou a vitória de Al Gore. Nem a reeleição, em 2004, foi o suficiente para lhe conferir legitimidade.

NÃO É PRECISO ACREDITAR EM MIM. A INTERNET ESTÁ AÍ, À MÃO. Procurem o noticiário sobre os ataques terroristas e vocês encontrarão lá, entre as supostas causas, a política dos Estados Unidos para o Oriente Médio. Bem, tal política era, então, ainda a mesma do democrata Bill Clinton. Pode-se até sustentar que Bush piorou tudo – O QUE É MENTIRA –, mas ainda não era possível recitar mantras como "unilateralismo", "isolacionismo", "belicismo", "desprezo aos aliados" etc. Mesmo assim, a imprensa mundial não foi mais generosa com ele em setembro de 2001 do que em setembro de 2008. O ódio aos Estados Unidos pôde se esconder com facilidade na máscara do ódio a Bush. Reitero: façam uma pesquisa e vocês encontrarão analistas às pencas que viam nos atentados — atenção! — uma reação à política errada dos americanos no Oriente Médio. Assim, eles seriam responsáveis por sua própria tragédia. Os mais rigorosos chegavam ao desmonte dos erros do colonialismo no Oriente Médio. O fenômeno Obama começava a nascer ali.

Ontem, no discurso de posse, o novo presidente dos EUA afirmou:

"Lembrem-se que gerações anteriores enfrentaram o fascismo e o comunismo não apenas com mísseis e tanques, mas com alianças robustas e convicções duradouras. Eles entenderam que nosso poder sozinho não pode nos proteger, nem nos dá o direito de fazer o que quisermos. Em vez disso, eles entenderam que nosso poder cresce com seu uso prudente; nossa segurança emana da Justiça de nossa causa, da força de nosso exemplo, da têmpera das qualidades de humildade e moderação."

Ah, sem dúvida, é uma retórica pronta para encantar. Mas alimenta aquele preconceito de que o Ocidente, e os EUA em particular, respondem pelas ações de seus adversários. Mas quem quer saber disso? A observação nem mesmo é bem-vinda. Porque não me deslumbrei, ao longo da tarde ontem, com o "fato histórico", fui acusado das mais variadas coisas: de preconceito e ressentimento a insensibilidade. Que dias esses, não? Tanto quanto a academia deixou de ser lugar do pensamento, a imprensa, com exceções, se nega a ser o lugar do saudável ceticismo. Há no ar uma certa licença para mandar a objetividade para a cucuia. Afinal, trata-se de exorcizar Bush...

Andando sobre as águas

Obama, claro, cumpre o seu papel. Escrevi, certa feita, que há nele muitos quês de terceiro-mundismo. As parcas e os porcos logo entenderam que me referia à sua origem e à cor de sua pele. Não! Incomoda-me nele essa vocação para inaugurar auroras, para gáudio de seus mistificadores midiáticos, numa espécie de demonização retórica do passado, sem alvo definido. E também não dá para negar os apelos messiânicos de seus discursos. Ontem, falou em "reconstruir a América". Ela foi destruída? Lamento: esse tipo de fala mais me assusta do que me agrada. Ele é, em mais aspectos do que se imagina, uma novidade na política americana. Precisamos saber se boa. Está na dele: vai construindo a sua lenda. Irritante é o obamismo da imprensa... mundial, que só falta lhe atribuir milagres. Questão de tempo.

Ai do jornalista ou do analista que ousar lembrar que talvez Obama não mude tantas coisas assim em áreas que renderam muito ódio a Bush. Afinal, as políticas daquele "cão sarnento", vejam que escândalo!, podem funcionar, conforme lembra em sua página eletrônica Victor Davis Hanson (v. AQUI ), professor de história clássica na California State University. Que os EUA estavam vulneráveis ao terror, é inegável. Ou o 11 de Setembro não teria existido. E, no entanto, não houve um outro atentado. No Iraque e no Afeganistão, há governos constitucionais — o que não quer dizer que não existam também terrorismo e violência. Mas milhares de militantes da Al Qaeda foram mortos nos dois países, e a organização, ao contrário do que reza o antibushismo militante, está combalida. A Síria saiu do Líbano; a Líbia suspendeu seu programa nuclear clandestino; Ahmadinejad e Chávez perderam influência; a Europa elegeu governos pró-americanos; as relações com Índia e China são boas; a África recebeu ajuda para programas humanitários... A verdade é que o segundo governo Bush foi, como queriam, bastante multilateralista. Que o diga o Irã. O ex-presidente dos EUA decidiu dividir com a Europa a negociação sobre o programa nuclear dos aiatolás... Fato: o programa só fez crescer.

Quem ouviu ou leu o discurso de Obama e prestou atenção a seus comentadores fica com a impressão de que, ontem, teve termo uma ditadura e se inaugurou nos Estados Unidos o regime democrático. E, no entanto, Bush pegou o helicóptero, depois o avião e se mandou para seu rancho no Texas. Ao longo de seus oito anos de mandato, vejam que coisa, o Congresso mais poderoso do mundo jamais deixou de funcionar — parte do tempo com maioria democrata. Não gostaria de deixar ninguém chocado, especialmente aqueles que foram às lágrimas, mas a democracia americana esteve vigilante durante todo esse tempo.

Obama, num rasgo demagógico, censurou a política de segurança que se opõe à dos direitos. Pois bem. Espera-se, então, a revogação de leis que garantem ao Estado o direito de interceptar e vigiar ligações telefônicas suspeitas de envolvimento com o terror. Terá ele coragem de revogá-las? Duvido! No primeiro dia útil de seu mandato — esta quarta —, ele havia prometido extinguir Guantánamo. Vai? Talvez sim. Mas, advertiu, o desmonte da prisão pode levar um ano. Entendo... Como levará um tempo a volta de todos os soldados do Iraque. Quanto? Também a recuperação da economia vai demorar um pouco...

Profecias

Ontem, um analista dizia que, não importa o tempo que demore, o certo é que Obama é o mais preparado para resolver todos os problemas. O raciocínio parece chocante, mas assim são as coisas. Estamos diante das profecias destinada ao autocumprimento. Sim, hora ou outra, a economia americana volta a crescer. E será com Obama no cargo. Como seria com McCain? Como saber. A crise, no que respeita à política, tornou-se sua aliada.

Sim, a crise existe, as guerras existem, as dificuldades estão dadas para os americanos e para o mundo. Mas aquela esfera, vamos dizer, "sufocante" em que supostamente nos mantinha George W. Bush era não mais do que uma variante de um delírio coletivo. A democracia americana, com o ex-presidente, esteve no lugar de sempre. E, notou um amigo ao telefone ontem, "para crises imaginárias, nada melhor do que soluções também imaginárias". Quantos já respirarão melhor nesta quarta? Segundo uma analista, "a mudança já começou". Já? Ontem, enquanto Obama subia, os mercados despencavam. E duvido que o trecho específico de seu discurso tenha ajudado, como se lê:

"Também não á a questão que se apresenta a nós se o mercado é uma força para o bem ou para o mal. Seu poder de gerar riquezas e expandir a liberdade é ilimitado, mas esta crise nos fez lembrar que sem vigilância, o mercado pode sair do controle - e uma nação não pode prosperar por muito tempo quando favorece apenas os mais ricos. O sucesso da nossa economia sempre dependeu não apenas do tamanho do nosso Produto Interno Bruto (PIB), mas do poder da nossa prosperidade; na nossa habilidade de estendê-la a cada um, não por caridade, mas porque esse é o caminho mais seguro para o bem comum."

Qualquer um de nós pode dizer coisa assim. A um presidente dos Estados Unidos, talvez o prudente fosse ser menos ligeiro e genérico sobre o assunto. Alguém precisa lhe dizer que ele se tornou também o maior administrador de expectativas do mundo.

Religião sem Deus

Como é mesmo? Um dos problemas de não acreditar em Deus é acreditar em qualquer coisa. Tanta gente que lê horóscopo já tentou me provar que Deus não existe e que as cores interferem na nossa aura... É uma ironia, quase uma piada. O fato é que sempre considerei que as religiões sem Deus, especialmente a da Razão, costumam ser as mais sectárias.

Sabem por quê? As outras sabem que há um fundo irredutível e inexplicável que é a fé. Por mais que você tente explicar a alguém os motivos de sua crença, haverá o momento parecido com uma escolha (só que o crente é que é escolhido): tem ou não tem fé? E não há explicação para isso. O crente sempre se queda um tanto intimidado, como quem fica devendo ao outro a "prova dos noves".

Mas aquele que não acredita em Deus e pode acreditar cegamente em homens não se intimida, não! Obama pode não andar sobre as águas — porque, segundo leis físicas, ninguém pode fazê-lo. Mas já é o grande responsável por uma subversão do tempo. Explico.

ELE VAI MUDAR TUDO NUMA SUPOSTA VELHA ORDEM A SER VENCIDA QUE, NÃO OBSTANTE, DEU À LUZ O DEMIURGO DA NOVA ORDEM.

E isso, gostem ou não, é religião, não é história.

Só falta agora estapear os vendilhões do templo com, como é mesmo?, muita regulação... Mas, acreditem, estou vendo o momento cheio de curiosidade. A nova religião chega ao topo sem o demônio, que se aposentou para cuidar de um racho. Nesse caso, como conjurar e manter excitadas as forças do bem?


Reinaldo Azevedo é formado em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) e em Jornalismo pela Universidade Metodista, foi professor de literatura e redação dos colégios Quarup, Singular e do curso Anglo, foi também redator-chefe das revistas República e Bravo!, diretor de redação da revista Primeira Leitura, além de coordenador de política da sucursal de Brasília do jornal Folha de S. Paulo. Escreve freqüentemente sobre política nos jornais "O Estado de S. Paulo" e "O Globo". Reinaldo atualmente é articulista da revista "VEJA" e escreve o blog político mais influente da rede, "Blog Reinaldo Azevedo". Polêmico, irônico, ferino, Reinaldo Azevedo é autor dos livros "Contra o Consenso: Ensaios e Resenhas", pela Editora Barracuda, do best seller "O país dos Petralhas" e por último "Máximas de um País Mínimo", ambos da Editora Record.





Publicado no "Blog Reinaldo Azevedo".
Quarta-feira, 21 de janeiro de 2009, 05h55.


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2 comments:

Blog sem Máscara said...

Olá amigo, o Blog sem Máscara concede o "Prêmio Blog Destemido" ao seu blog.
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http://blogsemmascara.blogspot.com/2009/01/blog-sem-mscara-recebe-o-prmio-blog.html

Um abraço.

Blog sem Máscara
http://blogsemmascara.blogspot.com/

Anonymous said...

Meu irmão, Hussein Obama já mostrou para que veio... fechou Guantanamo, já mandou um emissário à Palestina, tão somente, já liberou verbas aos abortistas... próximo passo, um bezame mucho coletivo com os bocas sujas do foro... esperar para ver... bom domingo!!!

 
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