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Thursday, November 27, 2008

Comunista insidioso! A quem ele pensa estar enganando?

Foto: Deputado Paulo Renato Souza (PSDB-SP).





























Carta aberta ao Grande Chefe Branco
por Demétrio Magnoli

Prezado deputado Paulo Renato Souza (PSDB-SP):

No 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, a Câmara passou a lei de cotas nas universidades e instituições federais de ensino médio, que é a primeira lei racial na história da República. A aprovação se deu sem o voto dos deputados, por conluio entre lideranças. Você participou destacadamente daquele conluio, renunciando à posição contrária à inclusão da raça na lei que dizia sustentar.

Arlindo Chinaglia (PT-SP), o presidente da Câmara, celebrou o desenlace e ofereceu um diagnóstico: "Os que têm opiniões divergentes cederam, o que resultou em um grande avanço." Traduzo a frase do seguinte modo: nada é impossível, nem mesmo derrubar o princípio da igualdade perante a lei, quando a oposição abdica de seus deveres básicos. Estou errado?

Serei franco. Surpreendeu-me a sua colaboração, sem a qual o projeto teria de aguardar uma sessão com quórum e ser votado nominalmente pelos deputados. Li num jornal a sua justificativa. De acordo com ela, o projeto não é ruim, pois estabelece cotas raciais proporcionais à composição "racial" da população de cada unidade federativa, de modo que, nas suas palavras, nos Estados com predomínio demográfico de brancos, eles terão chances maiores de ingressar nas universidades. Se entendi, você negociou e aprovou o projeto pois não viu nele desvantagens para a "raça branca". Posso, então, intitulá-lo Grande Chefe Branco?

Não há ironia nisso, acredite. Os patrocinadores de projetos de cotas no ensino e no mercado de trabalho almejam a condição de líderes negros. Eles usam o fruto envenenado da raça para impulsionar carreiras políticas ou conquistar posições de prestígio em ONGs muito bem financiadas. Mas é claro que a construção de identidades raciais oficiais no Brasil abre possibilidades inusitadas. Se há líderes negros, por que não líderes brancos? (Veja que para isso nem se precisa de algo tão aparente quanto a cor da pele: em Ruanda a vida política girava em torno de líderes tutsis e líderes hutus, ao menos até o genocídio).

Não nos enganemos. Políticos oportunistas em busca da condição de líderes negros (ou brancos) são elos instrumentais na passagem de leis de raça, mas a concepção de tais leis se deve aos doutrinários racialistas, que são pessoas dotadas de princípios - e o xis do problema reside no conteúdo desses princípios. Racialismo é a doutrina baseada numa dupla crença: 1) raças existem, se não na natureza, ao menos na história; 2) "a história do mundo não é a história de indivíduos, mas de grupos, não a de nações, mas a de raças". Empreguei, para expor a segunda crença racialista, uma citação de William Du Bois (1868-1963), o pai fundador da doutrina. Toda a lógica das políticas de cotas raciais se encontra delineada na obra desse americano. Seria inoportuno sugerir que a lesse?

Du Bois era um racialista, não um racista, pois não acreditava em noções de superioridade racial. Ele visitou a Alemanha nazista e gostou do orgulho de raça promovido pelo regime, mas confessou sua repulsa com a perseguição aos judeus. Bem antes, em 1903, escreveu Os talentosos dez por cento, em que expunha a tese de que, por meio de uma criteriosa seleção educacional, um negro em cada dez poderia converter-se em líder mundial da raça negra. O artigo começa assim: "A raça negra, como todas as raças, será salva por seus homens excepcionais. O problema da educação entre negros, então, deve antes de tudo concentrar-se nos 10% talentosos..." Entendeu, agora, a proposta de cotas? Percebeu que ela nada tem que ver com um programa de redução de desigualdades sociais?

Nos EUA, as leis de segregação racial definiram quem era branco e quem era negro. Du Bois falava para uma raça oficializada pela discriminação. Por aqui, os racialistas lamentam a ausência de leis desse tipo no nosso passado, pois recaiu sobre os ombros deles a missão de fabricar, na mente das pessoas, a consciência racial e o orgulho de raça. Fico um tanto triste ao perceber que se procura realizar essa obra a partir da escola. Tarso Genro, na sua passagem pelo Ministério da Educação, ordenou que todas as escolas associem nominalmente cada aluno a uma raça. Você, um ex-ministro da Educação, e Paulo Haddad, o atual titular da pasta, articularam juntos o projeto de cotas raciais aprovado na Câmara. Vocês não são três, mas uma tríade. Juntos, por cima de diferenças partidárias, invadem as aulas de História e Biologia para apagar a lousa onde está escrito que raças humanas não existem, a não ser como invenção do racismo. Mas você liga para o que está escrito na lousa?

Já notou que os brasileiros sentem uma certa repugnância diante da idéia de serem divididos oficialmente em raças? Por coincidência, no mesmo dia em que vocês aprovavam uma lei que faz exatamente isso, divulgou-se uma pesquisa de opinião pública sobre atitudes diante do tema racial. Encomendada pelo Cidan, uma ONG racialista, a pesquisa fez perguntas viciadas, tendenciosas, a uma amostra da população carioca. Mesmo assim, 63% declaram-se contra as cotas raciais. Mais interessante é que as posturas diante das cotas raciais não variam em função da cor autodeclarada das pessoas. Entre os "brancos", 63,7% rejeitam essa política; entre os "pardos", 64%; entre os "pretos", 62,2%. Eu interpreto isso como uma opção identitária: as pessoas, independentemente da cor da pele, querem ser cidadãos iguais perante a lei. Estou errado?

Não há motivo para imaginar que os demais brasileiros pensem diferente dos cariocas. Apesar da maciça propaganda racialista veiculada pelo Estado, os cidadãos percebem o mal que a pedagogia das raças faz aos jovens estudantes. A coincidência entre a divulgação da pesquisa e a aprovação por conchavo da lei de cotas coloca uma pergunta constrangedora: onde está a representação parlamentar da maioria que rejeita as leis raciais?


Demétrio Magnoli é graduado em Ciências Sociais e Doutor em Geografia Humana pela FFLCH-USP, editor da publicação Mundo - Geografia e Política Internacional, assina coluna semanal na Folha de S. Paulo e integra o GACINT - Grupo de Análises de Conjuntura Internacional da USP. Autor e co-autor de vários livros nas áreas de Geografia, Conjuntura Internacional, História Contemporânea, tais quais: " O Que é Geopolítica", "Da Guerra Fria à Detènte" e "O Mundo Contemporâneo", entre outros, além ministrar palestras e colaborar em diversos órgãos da mídia.
E-mail: demetrio.magnoli@terra.com.br



Publicado no jornal " O Estado de S. Paulo" (Opinião).
Quinta-feira, 27 de novembro de 2008.




OS TOPA-TUDO SEM DINHEIRO – Maria Lucia Victor Barbosa



Thursday, May 29, 2008

UNASUL = União das Nações que Apoiam Seqüestradores, Usurpadores e Ladrões.

Foto: Futura reunião de cúpula de presidentes membros da Unasul.









































A hora e a vez dos ideólogos
por Demétrio Magnoli

O Conselho Sul-Americano de Defesa pode aspirar a um lugar de honra nos manuais de relações internacionais, como caso exemplar para estudo de uma política externa emparedada entre o imperativo do interesse nacional e os delírios ideológicos de uma esquerda que não aprende nada. Numa declaração contaminada pelo cinismo, Lula registrou que, "dos 12 países, apenas a Colômbia colocou objeção". Não seria porque, em seu esforço para derrotar as Farc, o Estado colombiano conta com o apoio dos EUA, mas enfrenta a hostilidade explícita da Venezuela e do Equador?

O interesse nacional brasileiro consiste em promover a estabilidade no entorno sul-americano. A Organização dos Estados Americanos (OEA), atravessada pela disparidade de poder entre os EUA e os demais Estados, não deveria ser um obstáculo à constituição de um órgão de segurança regional na América do Sul. Mas um órgão assim só pode existir com base no respeito à soberania dos Estados democráticos da região. Como pretender que a Colômbia se incorpore a um Conselho de Defesa incapaz de pronunciar uma condenação incondicional das Farc?

Politicamente, as Farc morreram quando, numa seqüência de ações terroristas, destruíram o processo de paz impulsionado pelo ex-presidente Andrés Pastrana entre 1998 e 2002. A eleição de Álvaro Uribe, sobre a plataforma de derrotar militarmente a guerrilha, representou uma decisão nacional. O governo Uribe prometeu desmantelar os grupos paramilitares de direita e está cumprindo o compromisso. Os golpes assestados pelo Exército eliminaram a capacidade de combate da guerrilha e a promessa de liberdade para os guerrilheiros que renunciarem às armas provoca fraturas generalizadas entre os insurgentes. As Farc só podem ser salvas pela interferência externa.

O presidente venezuelano, Hugo Chávez, crismou as Farc como um "movimento bolivariano" e se entregou a uma operação de socorro que se utiliza dos reféns para chantagear a Colômbia. A meta do caudilho é intercambiar a liberdade dos reféns pelo reconhecimento das Farc como parte beligerante. Nessa hipótese, o grupo conservaria suas armas e sua liberdade de ação enquanto os colombianos, contra a vontade que exprimiram em duas eleições sucessivas, seriam submetidos novamente a supostas negociações de paz. O entusiasmo chavista pelo Conselho de Defesa só pode ser compreendido à luz do que se passa na selva colombiana.

"O plano de Bolívar, quando regressou do Panamá, era formar uma aliança não só econômica e política, mas militar também, para nos defender e para assegurar nossa independência do imperialismo, do neoimperialismo e das guerras preventivas". Na visão de Chávez, o Conselho de Defesa é o embrião de uma aliança estratégica e de um exército regional destinados a prover segurança contra os EUA. Essa concepção se inspira nas teses do sociólogo alemão Heinz Dieterich, confidente do presidente da Venezuela até o fracassado referendo constitucional do ano passado, que imaginou a construção de um "bloco militar de poder latino-americano" sob a liderança do próprio Chávez.

Na forma sem conteúdo aventada pelo Brasil, o Conselho de Defesa não tem cérebro nem músculos - será, unicamente, um foro consultivo de debates, algo como uma antecâmara da OEA. Chávez aceita começar com tão pouco, pois sua prioridade tática é tecer uma articulação regional que isole a Colômbia, propiciando caminhos para evitar a iminente derrota das Farc.

A voz do venezuelano já se converteu numa ordem de comando para os partidos da esquerda stalinista latino-americana. Na declaração da reunião do Foro de São Paulo, encerrada no domingo em Montevidéu, está escrito: "Introduziu-se na região o conceito de guerra preventiva e aumentou-se a militarização em uma situação inédita comandada pelos EUA, que utiliza o governo da Colômbia como ponte". O documento, plenamente alinhado à operação de salvamento chavista, recomenda "aumentar os esforços para conseguir uma saída negociada para o conflito armado". No fim do encontro, o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, expressou seu profundo pesar pela morte de Manuel Marulanda, o Tirofijo, chefão das Farc.

Desde Rio Branco a política externa brasileira adquiriu um perfil de política de Estado, elevando-se quase sempre acima do jogo político doméstico. No governo Lula, contudo, a pressão crescente dos ideólogos ameaça a paliçada que protege o interesse nacional. Em razão dos laços estreitos que ligam o PT ao castrismo e da emergência do chavismo, a ofensiva ideológica tem intensidade singular no domínio crucial da política para a América do Sul. O espectro da falência das Farc destruiu um equilíbrio precário no núcleo decisório da política externa brasileira.

Quando Chávez mediava a libertação dos reféns, o assessor presidencial Marco Aurélio Garcia declarou que o Brasil se mantém "neutro" diante do conflito colombiano. Logo depois, na hora do ataque à base do chefe guerrilheiro Raúl Reyes, Garcia tentou alinhar o Brasil à Venezuela e forçar uma condenação em bloco da Colômbia, mas foi afastado de cena pelo Planalto, que transferiu o comando diplomático para o Itamaraty. A tensão filtra-se no governo e no aparelho petista. O ministro do Exterior, Celso Amorim, rebelou-se contra a idéia de conferir às Farc um estatuto político, enquanto o senador Aloizio Mercadante ergueu a voz para sugerir uma condenação incondicional à guerrilha degenerada.

Agora os ideólogos voltam à carga. Diante das informações encontradas no computador de Reyes que atestam o apoio político e material da Venezuela às Farc, o Brasil conserva um silêncio oficial ignóbil. Simultaneamente, o PT eleva o tom da campanha de propaganda contra a Colômbia e o Conselho de Defesa vai sendo preenchido com os conteúdos que interessam a Caracas. Pagaremos caro pelo erro de brincar com os princípios permanentes de nossa política externa.


Demétrio Magnoli é graduado em Ciências Sociais e Doutor em Geografia Humana pela FFLCH-USP, editor da publicação Mundo - Geografia e Política Internacional, assina coluna semanal na Folha de S. Paulo e integra o GACINT - Grupo de Análises de Conjuntura Internacional da USP. Autor e co-autor de vários livros nas áreas de Geografia, Conjuntura Internacional, História Contemporânea, tais quais: " O Que é Geopolítica", "Da Guerra Fria à Detènte" e "O Mundo Contemporâneo", entre outros, além ministrar palestras e colaborar em diversos órgãos da mídia.
E-mail: demetrio.magnoli@terra.com.br




Publicado no jornal " O Estado de S. Paulo".
Quinta-feira, 29 de maio de 2008.





O germe do autoritarismo – Ricardo Noblat

Friday, March 07, 2008

Não vai sobrar nada!

Foto: Palácio do Itamaraty no Rio de Janeiro, de uma época em que o Brasil ainda praticava Diplomacia.

































O Brasil e a Grã-Colômbia
por Demétrio Magnoli


O bombardeio aéreo que devastou um acampamento guerrilheiro no lado equatoriano da faixa de fronteiras e matou Raúl Reyes, o número dois das Farc, não é um incidente isolado, mas um elemento na teia da internacionalização do conflito interno colombiano deflagrada pela política 'bolivariana' de Hugo Chávez. Esse é o pano de fundo no qual se move uma política externa brasileira desfigurada por uma fatal duplicidade de orientações.

A supressão das Farc é um objetivo nacional da Colômbia. O fracasso das negociações de paz conduzidas pelo ex-presidente Andrés Pastrana e a degeneração política e moral da antiga guerrilha comunista, convertida num bando financiado pelo narcotráfico, estabeleceram o marco no qual foi eleito e reeleito o conservador Álvaro Uribe. A sua promessa de derrotar a guerrilha por meios militares conta com o apoio ativo da esmagadora maioria dos colombianos.

Há alguns anos, fustigadas incessantemente pelas forças armadas, as Farc perderam quase toda a sua capacidade de combate e retrocederam para as faixas de fronteira. Hoje, a guerrilha procura uma trégua estratégica, que seria possível apenas com a criação de uma zona desmilitarizada, nos moldes do precedente estabelecido por Pastrana. Os reféns, de um lado, e Hugo Chávez, de outro, são os instrumentos disponíveis para a execução dessa política.

Quando Chávez deu um passo à frente e se apresentou como mediador para a libertação dos reféns, a iniciativa foi descrita como um empreendimento humanitário. Logo depois do primeiro sucesso, porém, o presidente da Venezuela declarou sua solidariedade com as Farc, definiu a guerrilha celerada como um 'movimento bolivariano com um projeto político respeitável' e clamou por seu reconhecimento internacional como parte beligerante. Dias atrás, na mesma linha, o caudilho prestou homenagem a Raúl Reyes, enquanto anunciava o deslocamento de tropas para a fronteira com a Colômbia.

Convencionalmente, os analistas interpretaram a operação como um componente da política interna venezuelana, na qual Chávez busca reconquistar um respaldo popular que se evapora, tocando os tambores da guerra e clamando contra o espectro do inimigo externo. Isso existe, é claro, mas representa apenas a superfície conjuntural de um movimento geopolítico de fundo. O chavismo não é um caudilhismo tradicional, mas um movimento internacionalista articulado em torno da ideologia bolivariana. A decisão de financiar as Farc e de resgatar a guerrilha da beira do precipício se inscreve na lógica de um projeto revolucionário latino-americano. Na visão de Chávez, Venezuela e Colômbia são entidades geopolíticas artificiais, oriundas da fragmentação da Grã-Colômbia. O projeto do caudilho é a restauração do efêmero Estado presidido por Simón Bolívar entre 1819 e 1830. Nesse projeto, as Farc figuram como exércitos libertadores bolivarianos atuando em território ocupado.

A Venezuela chavista não pratica uma política externa realista e não reconhece o princípio da soberania nacional, que invoca aos brados quando a Colômbia bombardeia um santuário das Farc em terras do Equador. O evento que se desenvolve na América Latina, e do qual faz parte o giro diplomático do equatoriano Rafael Correa, só pode ser compreendido à luz da política externa revolucionária de Chávez. A intromissão permanente nos assuntos dos países latino-americanos é um traço estrutural do chavismo.

A reação brasileira ao incidente no Equador envolve um tripé de iniciativas. A designação do ministro Celso Amorim para conduzir a crise, no lugar de Marco Aurélio Garcia, geralmente encarregado das relações regionais, obedece ao imperativo de reduzir a influência do PT, que tende ao alinhamento com Chávez. A condenação do bombardeio colombiano e a insistência de um pedido incondicional de desculpas procuram introduzir uma cunha entre Rafael Correa e Chávez. A definição do incidente como um evento bilateral é uma tentativa de afastar a Venezuela do foco da crise.

O governo Lula opera no sentido de erguer um dique de contenção e evidencia conhecer perfeitamente o cenário geopolítico mais amplo. Contudo, Lula exige desculpas sem condições da Colômbia, mas não condena incondicionalmente a guerrilha colombiana - e, sobretudo, não levanta a voz do Brasil para cobrar a cooperação logística da Venezuela e da Colômbia contra o uso das faixas de fronteiras pelas Farc. No plano político e moral, essas omissões configuram uma intolerável neutralidade diante do conflito entre o Estado colombiano e o bando de guerrilheiros que mata inocentes e seqüestra civis. No plano estratégico, elas abrem as comportas para a passagem da enchente chavista.

No fim das contas, a política externa brasileira não se desfigura por uma incapacidade de análise do quadro externo, mas por algo mais grave, que adquire contornos trágicos. No governo Lula, o conceito de interesse nacional foi submetido a uma persistente erosão ideológica, que o torna inoperante. No PT, na CUT e no PC do B vicejam a nostalgia do stalinismo, um nacionalismo anacrônico de perfil autoritário e a incontida admiração pela Cuba castrista e pela Venezuela chavista. Nesse meio político, as Farc não são uma guerrilha que tortura, mas um exército antiimperialista.

Esse caldo ideológico faz seu caminho até os centros de decisão de nossa política externa, desfigurando-a quase por completo. Usualmente, essa desfiguração se manifesta em episódios vexaminosos, mas de escassas repercussões estratégicas imediatas, como a indiferença diante das violações de direitos humanos e a solidariedade à ditadura castrista cubana. A Venezuela, porém, constitui um teste de fogo. A omissão e a duplicidade diante da política internacional chavista não provocam apenas vergonha, mas ameaçam a estabilidade do entorno regional e a segurança de nossas fronteiras.


Demétrio Magnoli é graduado em Ciências Sociais e Doutor em Geografia Humana pela FFLCH-USP, editor da publicação Mundo - Geografia e Política Internacional, assina coluna semanal na Folha de S. Paulo e integra o GACINT - Grupo de Análises de Conjuntura Internacional da USP. Autor e co-autor de vários livros nas áreas de Geografia, Conjuntura Internacional, História Contemporânea, tais quais: " O Que é Geopolítica", "Da Guerra Fria à Detènte" e "O Mundo Contemporâneo", entre outros, além ministrar palestras e colaborar em diversos órgãos da mídia.





Publicado no jornal " O Estado de S. Paulo".
Quinta-feira, 06 de março de 2008.



O Itamaraty do "barão top, top" - Demétrio Magnoli

Friday, September 21, 2007

A palavra de Mercadante vale um fio do seu bigode?





























A nossa corrupção e a deles
por Demétrio Magnoli


A então deputada Angela Guadagnin (PT-SP) entregou-se abertamente, de corpo e alma, à defesa dos “mensaleiros” nas comissões e no plenário da Câmara. No fim, quando um colega de partido se beneficiou da onda indiscriminada de absolvições, ela protagonizou a “dança da impunidade”, que lhe valeu fama instantânea e lhe custou a reeleição. O senador Aloizio Mercadante (PT-SP), operando sob instruções do Planalto, engajou-se furtivamente na missão de reverter intenções de voto favoráveis à cassação de Renan Calheiros. No fim, da sessão clandestina em que o Senado absolveu o homem das vacas milagrosas emergiu um Mercadante pálido que, balbuciando, declarou seu voto de abstenção e, desafiando as evidências, negou seu engajamento na operação de resgate do aliado do presidente.

Mercadante não se distingue de Guadagnin por seus atos, mas unicamente por se envergonhar deles - ou, numa interpretação cínica, por um cálculo eleitoral superior. Tanto quanto a deputada dançarina, o senador imprimiu à sua biografia política o credo indelével segundo o qual é tolerável a conversão do mandato popular num passaporte para o tráfico de interesses e a fabricação de patrimônios privados.

O PT não absolveu sozinho o pecuarista milagreiro - e nem todos os senadores do partido se curvaram ao credo de Mercadante. Mas o partido de Lula soldou a maioria parlamentar que, organizada como conclave de fora-da-lei, hasteou nas sombras a bandeira do escárnio. Mais uma vez, tal como no episódio das absolvições em massa dos “mensaleiros”, o núcleo principal da bancada petista consagrou o princípio da impunidade. A conclusão se impõe: das entranhas do partido que acusava e condenava numa única sentença, brandindo a espada de fogo da “ética na política”, nasceu um partido que tudo tolera, justifica e legitima - e que hoje, em nome da coerência, teria de recusar o processo de impeachment de Fernando Collor.

Coerência é o que busca o ministro Tarso Genro quando declara, como o fez dias atrás, que seu partido cometeu o erro histórico de, até a inauguração da Presidência de Lula, se apresentar como o guardião inflexível e solitário da “ética na política”. Na tardia retratação há algo mais que a marca inconfundível do oportunismo. De fato, a política democrática não é o terreno da verdade absoluta, mas das verdades possíveis, e não comporta uma narrativa do confronto da virtude contra o vício, cuja lógica exclui o horizonte da alternância de poder. O jogo democrático se faz, na maior parte do tempo, pelo exercício da razão instrumental, que inclui a negociação, a transigência, a conciliação, a acomodação de legítimos interesses eleitorais.

A retratação de Genro veicula uma reivindicação razoável. O PT quer ser avaliado à luz dos critérios comuns da política democrática - não pelos parâmetros inatingíveis da ética absoluta que cobrava dos outros, com fúria santa, nos tempos das célebres “bravatas de oposição”. Mas, de qualquer modo, há um limite para o exercício da razão instrumental, que é o respeito à regra legal e à integridade das instituições democráticas. Esse limite foi, uma vez mais, ultrapassado.

Coerência é também o que busca, por um outro caminho, a filósofa Marilena Chaui. No auge da crise do “mensalão”, quando os petistas procuravam reconhecer a sua própria imagem no espelho da história, Chaui teceu o discurso da negação, que lhes proporcionou um ponto de fuga teórico. Ela explicou que o balcão tentacular de negócios não existia, a não ser na forma de uma “construção fantasmagórica da mídia”. O álibi tem dinâmica própria: na sessão clandestina do Senado, o senador Almeida Lima (PMDB-SE) conclamou seus colegas a rejeitarem a acusação e afirmarem a soberania da Casa diante da mídia “abjeta, desqualificada, torpe e impudica”.

Chaui faz escola e inspira discípulos improváveis, mas está atenta para a fadiga inevitável do material discursivo. Depois que o STF aceitou a denúncia contra a quadrilha do “mensalão”, a filósofa cortesã reformou seu diagnóstico, mas apenas para apertar até o fim o parafuso, fabricando uma peça acabada de delinqüência intelectual em dois atos.

O primeiro ato é uma filosofia da corrupção: “Nenhum governante governa sem fazer alianças e negociações com outros partidos. Essa negociação tende à corrupção. Essa compra e venda ocorreu sistematicamente nos governos José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.” O segundo é uma corrupção da filosofia: “Mas o PT e seu presidente operário, como ousam fazer o mesmo que os partidos da classe dominante? Que ousadia absurda! Os meios de comunicação transformaram a situação em um caso único, nunca visto antes, e construíram a imagem do governo mais corrupto da história do Brasil.” Descontadas as inverdades óbvias, a filósofa está dizendo que corrupção é destino e que nos resta escolher entre a corrupção viciosa dos outros e a corrupção virtuosa dos seus.

O círculo se fecha e uma coerência se refaz. A virtude é uma imanência do PT e de Lula: reflete as essências do partido e de “seu presidente operário”, que não podem ser contaminadas pelas ações de um ou de outro. Os virtuosos estavam certos quando, com ou sem evidências, denunciavam e condenavam o vício - pois isso abreviava a chegada da virtude ao poder. Os virtuosos estão certos quando, contra todas as evidências, protegem a corrupção no seu meio e no meio dos aliados - pois disso depende a continuidade da união entre a virtude e o poder.

Na operação de cabala de votos, Mercadante não disse aos colegas que o homem das vacas quentes e das notas geladas é inocente, mas que sua cassação correspondia a um interesse da oposição e a uma tentativa de desestabilizar o governo. A sua razão instrumental não tem limites. É que, na nova ordem da filosofia, poder é virtude.



Demétrio Magnoli é graduado em Ciências Sociais e Doutor em Geografia Humana pela FFLCH-USP, editor da publicação Mundo - Geografia e Política Internacional, assina coluna semanal na Folha de S. Paulo e integra o GACINT - Grupo de Análises de Conjuntura Internacional da USP. Autor e co-autor de vários livros nas áreas de Geografia, Conjuntura Internacional, História Contemporânea, tais quais: " O Que é Geopolítica", "Da Guerra Fria à Detènte" e "O Mundo Contemporâneo", entre outros, além ministrar palestras e colaborar em diversos órgãos da mídia.





Publicado no jornal " O Estado de S. Paulo".
Sexta-feira, 21 de setembro de 2007.


A corrupção "virtuosa" do petismo


Thursday, May 31, 2007

Essa raça repugnante de comuno-petistas não desistem nunca!

A foto abaixo representa o "sonho" de todos os esquerdopatas.
No pasarán!




































O censor utópico
por Demétrio Magnoli


As Meninas Superpoderosas não receberão o selo de Programa Especialmente Recomendado para Crianças e Adolescentes. É que Tarcízio Ildefonso, diretor-adjunto do Departamento de Justiça e Classificação Indicativa (Dejus), não aprova a ambientação, em shopping center, da confraternização das heróicas meninas: “Esse gesto é segregacionista, já que nem todos podem fazer compra em shopping, além de ser um estímulo ao consumismo.” Ildefonso gostaria que elas celebrassem suas vitórias “no Palácio da Justiça”. Eu, que não nutro a mesma admiração fetichista pelos templos do Estado, faria as meninas confraternizarem em praça pública. Minhas preferências são irrelevantes. As dele valem ouro: todos os dias, compulsoriamente, ocuparão as telas das redes nacionais de televisão.

Se o Supremo permitir, Ildefonso e seus colegas se tornarão “meninos superpoderosos”. As suas preferências serão convertidas em selos bilionários ou em supressões irremediáveis porque, por meio da classificação horária obrigatória, eles têm os meios de destroçar financeiramente produtos culturais moldados para os anunciantes do horário nobre. Os censores da nova era não cortam cenas ou proíbem filmes: eles põem a mídia eletrônica de joelhos diante do poder de turno.

Na ditadura militar, os chefes da Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP) falavam em nome da moral e dos costumes. Os novos censores renegam seus ancestrais e falam em nome da democracia. Eles acusam os críticos de prestarem serviço às empresas de mídia, como se o princípio do lucro não pudesse conviver harmoniosamente com o da censura. Eles citam Estados democráticos que fazem classificação indicativa, omitindo ritualmente a circunstância decisiva: lá fora, não há exame prévio de programas e quem classifica são órgãos de auto-regulamentação; aqui, o governo passa a dispor do poder discricionário de controle prévio e classificação. O nome disso é censura.

O Dejus não é o DCDP. Aos olhos dos censores orgulhosos de outrora, um beijo era um beijo, sexo era sexo e um crânio partido era o que era. Os censores dissimulados de agora são seres mais complexos. Reverentemente, eles obedecem às regras de um manual parido por “especialistas” que ensina a inserir cada coisa no seu “contexto”. Há beijos virtuosos e beijos ominosos. Existe sexo do bem e pura sacanagem. O tiro e o crânio partido são interpretados à luz dos imperativos de justiça social. O valor de cada gesto, palavra e cena depende de seus significados políticos e culturais.

O Manual de Classificação Indicativa é um anacronismo intelectual digno de regimes como os de Stalin, Salazar ou Mussolini. Enrolando-se no manto dos direitos humanos e prometendo um “diálogo pedagógico com a sociedade”, o documento atualiza a meta fascista e comunista de fabricação do Homem Novo. Numa passagem memorável, ele define “comportamentos repreensíveis” como sendo “contextos/cenas/diálogos que valorizam ou estimulam irresponsabilidade, egoísmo, desonestidade, desrespeito para com os demais, manipulação, preconceito, ameaça, fuga de conflitos - sem que, ao mesmo tempo, haja uma clara mensagem de repúdio a essas práticas”. A bíblia do censor dissimulado propicia, ao sabor do arbítrio do Dejus, a mais vasta latitude de interpretação e interferência sobre produtos culturais. De Shakespeare ao folhetim, tudo pode ser expurgado para a solidão da madrugada. O antigo DCDP pretendia cercear, amordaçar, calar, proibir. O novo Dejus almeja falar, moldar, doutrinar, ensinar.

O Dejus é Lula em toda a sua glória. Há anos, o presidente reitera, em incontáveis pronunciamentos, o paralelo entre a nação e a família. Sob essa lógica, ele se apresenta como pai, que trata o povo, “especialmente os mais pobres”, como seus próprios filhos, exercita a paciência, mas não renuncia à firmeza, traça limites e sofre ao dizer “não”. A metáfora da nação-família, uma pedra angular de autoritarismos de diversas matrizes, é o alicerce ideológico que sustenta o edifício da nova censura.

Lula não inventou a classificação indicativa, um fruto da articulação entre ONGs e intelectuais petistas que pregam o “controle social da mídia”. Mas o ambiente político no qual floresce o dirigismo cultural está contaminado pela idéia de que a missão do Estado é educar a sociedade. Não se pode confiar na auto-regulamentação da mídia, na crítica pública da programação de tevê ou no discernimento das famílias: a consciência nacional deve ser depositada aos cuidados do censor utópico incrustado no Ministério da Justiça.

A visão paternalista acalentada pelo Planalto oferece pretextos para variadas aventuras dirigistas. Meses atrás, os Ministérios da Saúde e da Educação produziram uma cartilha de educação sexual destinada a alunos de escolas públicas de 13 a 19 anos que ensina a colocar preservativo e os convida a relatar suas “ficadas”, expressão na qual se inclui “beijar, namorar e transar”. Posta diante da objeção de que a cartilha circunda a mediação dos professores e ignora a vontade das famílias interessadas em evitar a iniciação sexual precoce dos adolescentes, Mariângela Simões, diretora do Programa DST/Aids e responsável pelo material, retrucou que “o foco é o jovem, não a censura que possa vir de um pai”. O texto da cartilha - com trechos como “sexo não é só penetração. Seduza, beije, cheire, experimente!” - talvez não passasse pelo crivo do Dejus, mas as duas iniciativas compartilham a fé na virtude do Estado e o desprezo pelo livre-arbítrio dos cidadãos.

O ridículo está à solta. Na era da internet de massas, o Ministério da Justiça alega a urgência de proteger as crianças dos perigos da tevê nos horários em que os pais estão ausentes, enquanto admira, indiferente, o espetáculo da humilhação cotidiana dos jovens das favelas pela ação do crime organizado e da polícia corrompida. Há método no absurdo: os doutrinários que ignoram o direito à segurança são os mesmos que usurpam o direito à liberdade.



Demétrio Magnoli é graduado em Ciências Sociais e Doutor em Geografia Humana pela FFLCH-USP, editor da publicação Mundo - Geografia e Política Internacional, assina coluna semanal na Folha de S. Paulo e integra o GACINT - Grupo de Análises de Conjuntura Internacional da USP. Autor e co-autor de vários livros nas áreas de Geografia, Conjuntura Internacional, História Contemporânea, tais quais: " O Que é Geopolítica", "Da Guerra Fria à Detènte" e "O Mundo Contemporâneo", entre outros, além ministrar palestras e colaborar em diversos órgãos da mídia.





Publicado no jornal " O Estado de S. Paulo".
Quinta-feira, 31 de maio de 2007.




 
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