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Wednesday, November 21, 2007

Para onde navegareis Brasil?

Foto: Navio-Escola "Brasil" (U-27).


































REPERCUTINDO

Abaixo uma segunda carta, cuja autoria também é atribuída ao 1° Ten da Marinha do Brasil, Marcio de Abreu Praça Cardoso, desta feita tecendo comentários sobre a repercussão causada pela carta anterior (click aqui para ler), como também esclarecendo dúvidas e corrigindo interpretações errôneas por parte de alguns dos leitores daquela.
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COMENTÁRIOS SOBRE MINHA CARTA

Prezados senhores,

Apenas uma semana após a divulgação da minha carta, já me sinto obrigado a fazer um comentário geral, vista sua repercussão. Sou parabenizado efusivamente mas também gravemente rechaçado por militares das três Forças, sejam Generais ou Soldados Fuzileiros. Também sou procurado por jornalistas que, somados os meios envolvidos, divulgariam o conteúdo da minha carta em mais de 40 jornais ou periódicos, de maior ou menor expressão. Muitas pessoas me escrevem querendo saber se sou lenda urbana, colocando simplesmente em seu e-mail: “só queria saber se você era real”. Sou taxado de aproveitador, herói nacional, embusteiro, o João Cândido da era digital. Alguns me mandam me calar, outros escrever um livro e me candidatar a deputado federal.

Resumindo, a tarefa de responder a toda essa gente começa a se tornar inviável, seja para agradecer pelas congratulações ou refutar os argumentos contrários. Por isso escrevi este comentário, que não é uma nova carta, mas, basicamente, uma explicação da primeira, de seus reais motivos, suas origens e de pontos obscuros do texto. Peço a todos que a receberem que repassem aos seus contatos para quem também enviaram a carta original. Este segundo texto será enviado a todos que me mandaram uma resposta por e-mail, tenha sido ela a favor ou contra.

Muitas dúvidas surgiram de interpretações erradas do que escrevi, talvez fruto de uma leitura rápida, superficial ou preconceituosa. Por isso, neste comentário, vou usar somente texto puro; abolirei metáforas, sarcasmos ou qualquer outra figura de linguagem que possa suscitar novas dúvidas. Se esquecer de explicar algum ponto da carta, me perdoem, mas faço votos de que, após a leitura deste texto, algumas passagens se tornem mais claras.

O primeiro comentário que faço é sobre sua divulgação inicial. Sem contar minha Turma de EN, que possui cerca de 180 oficiais, com os quais me correspondo freqüentemente pelo grupo de e-mail, esta minha carta foi enviada para cerca de 50 pessoas, incluindo aí praças e oficiais que me conhecem ou trabalharam comigo de forma direta. Também mandei nominalmente uma cópia em papel para alguns oficiais, em geral meus ex-comandantes, e também para alguns Almirantes que julgo serem as autoridades competentes para tomar as decisões que sugiro em meu texto. Mandei uma cópia em papel por achar mais polido e conveniente.

É claro que imaginava que ocorreria uma divulgação ampla, mas cria que seria mais lenta e que ficasse restrita à MB. Por isso, acho que mesmo aqueles que discordam de mim deveriam, com um mínimo de bom-senso, tentar descobrir porque – se escrevi somente despautérios e usei argumentos descabidos – minha carta foi acolhida com tanto entusiasmo pela tropa; isso denota, no mínimo, que parte das suas angústias encontra-se refletida no texto. Não acho que sua distribuição em massa tenha sido feita pelos que a repugnaram, mas pelos que acreditam conter ela um pouco de voz que clame pelo que considero hoje uma multidão de amordaçados.

Se nossas autoridades não concordam com o que escrevi, não há problema nisso, nós vivemos em um Estado Democrático e ninguém é obrigado a pensar de uma forma ou de outra. Mas isso nos leva a um dilema: como lidar com a grande parte das praças e da oficialidade que pensa como eu, em menor ou em maior escala? Se eu sou um problema que foi resolvido com meu desligamento da Força, o que fazer com os demais problemas que povoam nossas Praças d’Armas e cobertas dos navios?

Em segundo lugar, embora seja dito explicitamente no texto, minha carta não foi feita para manchar a imagem da Marinha, mas para melhorá-la. “Esta carta foi escrita como uma última tentativa de mudar o que não consegui em quase uma década”. Repito, considero as FFAA extremamente importantes, apenas fico triste porque não vi profissionalismo, lucidez e seriedade no trato com a coisa pública (nisto não falo de corrupção, mas de eficiência) e com segurança nacional. Foi isso que me motivou a escrever este texto. Por isso, não me escrevam me acusando de não amar o País e coisas do tipo, pois, se tudo o que eu passei na Marinha tivesse um propósito justo e necessário, teria suportado as intempéries e continuado na Força. “O homem pode suportar muitos como, desde que haja um porquê” (Nietzsche).

Perguntam-me se eu odeio a Marinha e se não passei nada de bom nela. Eu gosto da Marinha, sim, e ter escrito a carta, considerando que dê frutos positivos como a melhoria da qualidade de vida e motivação do pessoal, foi a maior contribuição que pude dar. O que adianta passar a vida inteira empurrando sujeira para debaixo do tapete? Mais cedo ou mais tarde alguém teria que tocar no tema. Passei muitos momentos bons na Marinha na companhia de meus amigos de Praça d’Armas e subordinados, mas eu escrevi essa carta para dizer os motivos que me levaram a sair, e não os que me levaram a ficar.

De modo algum sou contra as tradições sadias, que, como cito em meu texto, nos unem em laços comuns. Todas as marinhas do mundo possuem tradições, que estão presentes nos uniformes, no linguajar e no modo de enxergar o mundo. Porém, existem tradições negativas sim, que devem ser abolidas, ou, em muitos casos, apenas atenuadas. Outras, como a que cito explicitamente, que são as honras de portaló, deveriam ser deixadas para festividades e cerimônias. Caso contrário, continuaremos sacrificando um oficial em troca de um simples capricho, na minha opinião.

Por mais incrível que pareça, alguns também me escrevem dizendo que não entenderam qual é a crítica da minha carta. Basta olhar para os jornais: o êxodo de oficiais está aumentando mais e mais (isso é um fato), e a principal causa não é a financeira, acreditem. O principal problema é qualidade de vida. Está satisfeito, hoje, na Marinha, quem é apaixonado pelo que faz. Isso não é demérito, ao contrário, acredito que todos deveriam ser apaixonados pelo que fazem. Mas é a paixão deles que faz com que superem os graves entraves administrativos, as idiossincrasias, as ordens sem sentido e continuem satisfeitos, porque eles mesmos não se vêem fazendo outra coisa. Acontece que paixão não pode ser medida em um concurso de admissão, e não creio que esses amantes fervorosos respondam por mais do que 10% do nosso contingente. Os outros 90% podem gostar da Marinha, tentar dar o melhor de si no local onde servem, mas não são incansáveis; eles esperam que haja uma contra-prestação por parte dos seus superiores, e creio que estamos entrando no cerne do que seria a verdadeira liderança. Já ouvi de muitos praças que a primeira coisa a fazer caso entrássemos em guerra seria matar o comandante tal, ou o tal, pelo nosso próprio bem. Essa é a preocupante opinião da tropa, e só porque não chega aos ouvidos das nossas autoridades não significa que esteja tudo bem. Aos que discordam de mim, antes de esbravejarem e me xingarem, tentem, por favor, saber de seus subordinados se concordam ou não com o que disse. O difícil pode ser extrair sinceridade...

Não invoco sobre mim o título de líder; não estou iniciando nenhum movimento; não me considero um expoente da minha geração e nem possuo uma inteligência privilegiada. O que possuo, sem falsa modéstia, é bom-senso, e foi norteado basicamente por ele que ressaltei os pontos que considero deficitários no nosso dia-a-dia.

Muitos me acusam de ser generalista; chamo a todos de alcoólatras, ladrões e picaretas. Claro que isso não é verdade, e eu nunca escrevi isso. Se alguém diz “o governo Lula é corrupto”, quem é corrupto? Todos? O Presidente? Com que provas? Se alguém diz “a polícia do Rio é corrupta”, quem é corrupto? Os soldados? Os oficiais? Todos? Então estamos entrando em uma nova era de crimes de opinião. Se eu estivesse ofendendo toda a Marinha, porque minha caixa postal teria sido inundada de e-mails me dando parabéns e se solidarizando comigo? Tudo que cito, e olha que não foi tudo o que vi e vivi, se deu ao longo de uma carreira que foi curta, mas bem intensa, caso se possuam olhos críticos e capazes de uma análise mais profunda. Impossível que todos aqueles fatos se refiram a um só lugar ou a uma só pessoa, senão ela seria o anti-cristo. Citei histórias que vivi, ou que vi colegas passarem, ou mesmo práticas que são consagradas em nosso meio. Ou alguém vai ter a coragem de me dizer que não conhece a estória do Caldeirão Naval? Assim sendo, não se sintam ofendidos, porque não disse que todos são alcoólatras e pais ausentes (sei que essa foi minha afirmação mais polêmica). Eu não sou, a maioria dos que concordam comigo não são, grande parte dos que discordam também. Mas devem existir muitos para consumir os 10.000 litros de bebida comprados pela Marinha recentemente, segundo o repórter da BandNews Luiz Megale, compra esta que teria sido criticada pelo Vice-Almirante Armando Ferreira Vidigal. Vide clicando aqui.

Eu estou mentindo? Existe uma conspiração? O que quis dizer foi que realmente a cultura do álcool é muito forte na MB, como cito em vários pontos da carta. Durante minha curta carreira, por muitas vezes fui criticado por não beber, sendo impedido de ir embora depois do expediente para “pelo menos fazer companhia” aos oficiais que se confraternizavam em seu happy-hour. Já fui obrigado a beber cachaça para agradar a um superior; fui obrigado a render serviço fora da escala para permitir que o oficial rendido pudesse tomar cerveja, já que eu não era um bom amigo de copo; dentre os ensinamentos recebidos na EN, estava o que sugeria que “o oficial sempre deve estar com um copo na mão”; dentre brincadeiras de Praça d’Armas vi desafios de beber 450ml de whisky sem gelo. Se eu usei a palavra “alcoólatra” é porque não sabia outra.

Novamente, quando digo pais ausentes não digo que todos sejam, nem que seja de modo voluntário, mas muitos militares não conseguem acompanhar a família do modo que querem, por imposição das funções e pela natureza do trabalho, em certos casos desnecessariamente extenuante. Outros, simplesmente, não gostam de ir pra casa após o trabalho, e obrigam seus subordinados a compartilharem sua falta de zelo pela família. Resumindo, se usei de generalizações, foi em favor da argumentação mais simples, senão encharcaria o texto com ressalvas. Ninguém precisa se encaixar em todas as situações, caso não queira. Contudo, se mesmo assim alguns dos excelentes oficiais que conheço, dentre eles amigos pessoais que mantêm uma postura corretíssima, ficaram de algum modo ofendidos, aqui peço minhas desculpas publicamente e faço minha retratação aos demais oficiais e almirantes. Ao restante, mantenho firmes minhas palavras.

Me criticaram até porque decretei o fim da Marinha!!! “Entendam: esta Força, como hoje conhecemos, não vai subsistir, nem de um modo, nem de outro”. Estou escrevendo esses comentários porque parece que as pessoas leram minha carta sem ler. O que disse foi que a cultura reinante na MB, incluindo as atitudes criticadas por mim, não vai subsistir quando minha geração chegar ao comando. A Marinha vai continuar a existir sempre, isto é uma imposição constitucional.

Não centrei minha exposição no sucateamento dos meios, nem em outros fatores materiais porque muitos já falaram sobre isso e sei que essa não é a questão central. Porém, isso é uma boa notícia: o aumento de satisfação do pessoal na Marinha do Brasil não depende de dinheiro! Depende de boa-vontade e de bom-senso; de resto, só faltam algumas assinaturas.

Me chamam de oportunista, traidor. Dizem que não tive a coragem de divulgar a carta quando ainda estava na ativa. Primeiramente, eu não sou burro, e já cansei de dar murro em ponta de faca há muito tempo. O que pude reclamar e dizer dentro da Marinha eu o fiz a seu tempo, e, invariavelmente, recebia um sonoro NÃO como resposta. Agora eu nem imagino qual o estrago que ocorreria se eu estivesse dentro da Força e enviasse um texto como esse. Me desculpem, mas as FFAA nunca foram um ambiente propício ao debate, e não me digam que isso é necessário à hierarquia e disciplina, pois, na verdade, a dissonância entre a visão de mundo de nossos chefes militares e da nossa tropa está levando a caserna a uma crise de liderança silenciosa; todos estão suportando tudo, esperando ansiosamente o momento em que vão se desvencilhar: os mais antigos esperando cruzarem seus 30 anos, e os mais modernos fugindo através de concursos públicos, ou tentando fazer uma faculdade para cambar para a iniciativa privada. Tudo isso é real.

Outros reclamam que minha carta foi passional, que soou um pouco amarga. Tem razão. Se esta carta fosse escrita alguns meses depois de sair da Força, ela seria muito mais didática, analítica; enfim, iria parecer uma excelente tese de um intelectual que explica todos os problemas do mundo sem nunca tê-los vivido. Ao contrário, já com a idéia de fazer uma carta na cabeça, comecei a escrevê-la no exato dia em que fui proibido por um oficial superior (eu, um Primeiro-Tenente!) de fazer educação física, porque minha camisa era de manga, ao invés de ser uma camiseta regata. Na minha humilde opinião, deve haver algo mais importante com o que se preocupar na Marinha do Brasil. A carga de sentimentos com a qual impregnei minhas linhas serviu para que muitas pessoas se identificassem comigo. Inúmeras foram as pessoas que me escreveram dizendo que, ao lerem o texto, se sentiam exatamente como eu descrevia. Acho que, por isso também, acabei escrevendo pouca coisa, ou quase nada, do lado bom da MB.

Não quero que nossos chefes militares levem canhões à Brasília e tomem de assalto o Congresso para exigir verbas. Apenas não gostaria que o ônus do contingenciamento de recursos seja repassado à tropa, exigindo que nossas guarnições pintem sem tinta e que sejam responsabilizados pelo péssimo acabamento resultante, ou que tenham que dar brilho em um piso sem dispor de cera, como vi algumas vezes, condicionando o licenciamento ao seu surgimento milagroso apenas com a aplicação de um pano úmido.

Afirmam que minhas críticas são vagas e genéricas, outros dizem que fiz uma carta-denúncia. Ora, isto é um paradoxo. Se sou genérico, é exatamente porque não adotei uma postura denuncista: me abstive de anexar provas e de citar nomes, lugares e datas. Outros me acusam de prevaricação. Pode ser. Por duas vezes estive a ponto de prestar queixa junto ao Ministério Público, por Crime contra a Administração Pública e Crime Ambiental (derramamento sistemático de óleo em área de proteção ambiental – falta de profissionalismo). Se eu quisesse poderia tê-lo feito em casa, pela Internet, sem apresentar provas, apenas indícios, e nem precisaria me identificar. Confiram clicando aqui. Não o fiz exatamente porque um simples escândalo levaria ao desencadeamento de vários outros, maculando, aí sim, efetivamente a imagem da instituição, o que não desejava. Como falei em minha carta, alguns navios (evito assim a tão criticada “generalização”) não podem manter sua capacidade operativa e realizar sua manutenção sem recorrer ao malabarismo de notas fiscais, mudando a natureza da despesa efetuada, ou realizando outros artifícios para que não se ultrapasse o limite de licitação. Tudo isso, embora realizado para o aprestamento do navio, é feito com nossas assinaturas, e mesmo que não se considere imoral, efetivamente é ilegal. Por isso disse em minha carta que não se pode dizer a um magistrado que “o fez em prol do serviço”. Reconheço que tal manobra não se destina a auferir vantagens pessoais, mas sim de manter o meio operando. Nisto louvo a MB, realmente não testemunhei casos de corrupção visando enriquecimento ilícito, embora devam existir, como em qualquer outro lugar. Mesmo assim, é óbvio que a Marinha não deveria depender de meios ilícitos para se manter, nem obrigar seus militares a realizar tais atos. É sobre isso que falo.

Sobre a declaração “merecemos descanso depois desta atividade tão ingrata, que é se fazer ao mar”, relembro o sentido de ingrato trazido pelo Michaelis: “1.Que não mostra reconhecimento. 2. Que se esqueceu dos benefícios que recebeu. 3. Que não corresponde aos benefícios recebidos ou à afeição que se lhe dedica”. Realmente é uma atividade ingrata. Embora, particularmente, EU não goste, até mesmo os que sentem satisfação em se fazer ao mar estão longe de receber algum tipo de retorno que não seja a sua própria satisfação. Considero que todo militar embarcado deveria receber compensação orgânica, mas isto não está dentro do nosso poder de decisão. Mas o que está, não se faz: é ridículo dar ao militar um dia de folga para cada 30 que se afasta de casa e exigir que fique a bordo baldeando e pintando o navio sem antes poder ver a família. Qualquer tropa compreende quando é necessário realizar um esforço, e o bom militar o faz sem reclamar. Mas a extenuação da tropa, quando não há um motivo compreensível, leva a crises de liderança.

Teci esses comentários para dar um pano de fundo a quem recebeu minha carta na Internet de modo seco, sem saber de onde vinha e me desconhecendo como pessoa. Saibam que a fiz com a melhor das intenções, pois quero que a Marinha, assim como o Exército e a FAB, se tornem instituições mais fortes e sejam dignas de respeito, não pelo que aparentam ser, mas pelo que são. Existem coisas erradas a serem consertadas; um bate-papo franco com a tropa vai ajudar em muito; nessa negociação, OS DOIS LADOS vão ter que ceder.

Também sei que encontrarei dificuldades na minha próxima carreira assim como em qualquer outra instituição; não desisti do militarismo porque encontrei problemas, mas porque vislumbrava soluções óbvias que não eram adotadas por motivos que não considerava justificáveis. E relembro que não estou falando de problemas materiais. Os que da minha carta só extraíram indignação perderam uma boa oportunidade de entender como pensa parte de nosso contingente, achem isso certo ou errado.

Infelizmente, não estou mais conseguindo responder a todos os e-mails, como planejei desde o início, senão precisaria contratar auxiliares. Contudo, mesmo que demore um pouco, tentarei, ao seu tempo, agradecer a cada um pela resposta ou tentar contra-argumentar as questões levantadas pelos que de mim discordam.

MARCIO DE ABREU PRAÇA CARDOSO
Primeiro-Tenente (RM2)
Analista Administrativo TRE-RJ



Wednesday, November 14, 2007

Cisne Branco em águas turvas.

Obs.: O prefixo da embarcação abaixo, (4), devidamente sucatada e "canibalizada" é uma referência à
posição em que se encontram os comandantes das FFAA perante ao " desgoverno" comuno-petista.




































O DESABAFO

Abaixo uma carta postada no Portal Militar, admitida como de autoria de um 1° Ten da Marinha do Brasil, cuja veracidade só poderá ser confirmada pelo signatário ou pelas autoridades que receberam cópias da mesma, conforme informado pelo autor no seu preâmbulo. De qualquer maneira o conteúdo, com demasiado jargão militar pertinente à MB devido a carta em questão ser dirigida a seus "mestres", coloca em evidência a situação daquela "força", que como todos do "meio" estão fartos de saber também é a conjuntura atual no EB e na FAB.

O Brasil não possui mais Forças Armadas dignas deste nome, seus oficiais intermediários estão desistindo da carreira por completa falta de perspectiva profissional e pelo desmantelamento contínuo hà mais de 20 anos de seus equipamentos e meios de subsistência. E seus comandantes? Ah! Meus caros sobre estes nada mais a comentar, porém, "Que a terra lhes seja leve, com o Pão-de-Açúcar por cima".
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Prezado Comandante,

Envio em anexo a este e-mail uma carta de despedida que redigi nestes meus últimos dias na Marinha do Brasil, carta esta que contém algumas das razões pelas quais decidi abandonar esta Força. Esta carta será enviada a todos os Comandantes que trabalharam comigo de modo direto, sendo que, para alguns, enviei uma cópia em papel por razões específicas. Também estou enviando uma cópia para o nosso Almirante, para o Comandante da EN, DPMM, DGPM, CON e Comandante da Marinha. Que seja de alguma valia e que surta algum efeito positivo para aqueles que continuam a servir o País nesta instituição.

Respeitosamente,
1T Cardoso.

Prezado Comandante,

Esta carta foi escrita como uma última tentativa de mudar o que não consegui em quase uma década. Meu desânimo, que culminou na desistência da minha carreira, foi cultivado sistematicamente dia após dia, através da observação e vivência de atitudes que desprestigiavam meu bom-senso, capacidade crítica e intelecto, sobre os quais passarei a discorrer mais adiante.

Após ter sido aprovado, em 1998, num dos concursos mais concorridos daquela época, ingressei na Escola Naval, tendo preterido uma carreira de engenheiro eletrônico na UFRJ. Julgava que a carreira naval se mostrava mais promissora, com estabilidade, interstícios bem definidos e ainda um certo prestígio junto à sociedade. Esse foi o espírito com o qual fui admitido na Marinha do Brasil. Após cinco anos de formação, e apenas um de oficial, já havia tomado a decisão: não havia como permanecer nesta carreira, a não ser, literalmente, “com o sacrifício da própria vida”. Um sacrifício contínuo, que eu via se abater sobre todos os meus colegas de Praça d´Armas, fossem eles Segundos-Tenentes, Capitães-Tenentes ou até Capitães-de-Mar-e-Guerra. Não estou falando de um sacrifício honrado, merecido, daqueles que se vêem nos filmes e são inerentes aos heróis. Não, o sacrifício de que falo, nessa carreira que insistem em chamar de “sacerdócio”, era um sacrifício inócuo, quixotesco, cujos maiores feitos eram a contagem correta e ilibada – quase obsessiva - de vidros de mostarda no balanço de paiol e a maquiagem bem feita, a qual custou toda uma noite em claro, para o recebimento de uma autoridade que só se importava com a idade do whisky que iria ser servido.

Todos esses fatores me levaram a buscar uma carreira extra-Marinha, o que consegui, com a ajuda de meu Senhor Jesus, quando fui aprovado para o cargo de Analista Administrativo do TRE-RJ, o qual estou exercendo no momento. Mas o que me impressiona mesmo é que, a despeito da minha anterior posição, no início de uma brilhante carreira que se desfraldava para mim, nenhuma autoridade se interessou em descobrir por que eu havia decidido abandonar a Marinha. Eu não era um desempregado em busca de um trabalho tampouco um estudante recém-formado em direito, mas um Oficial de Carreira das Forças Armadas que resolveu, como já foi me dito, “trocar os botões dourados por uma salinha suja numa repartição”. No mínimo, é inquietante que a Diretoria de Pessoal esteja realizando pesquisas de satisfação cujo resultado seja que esse êxodo deve-se à “falta de cursos no exterior” e ao “sucateamento dos meios”. Esses não são, nem de longe, os reais motivos. E, pelo menos, quanto à oficialidade da Marinha, também não o é a remuneração. A prova disso é que pelo menos metade dos oficiais que estudam para concursos também busca carreiras de nível médio, cuja remuneração é menor, mas possuem maior qualidade de vida em relação ao regime semi-aberto que se tornou a carreira naval. Se nós formos buscar os reais motivos dessa insatisfação coletiva, porém velada, veremos que são causadas por problemas estruturais, e não conjunturais. Sua causa não está nos baixos salários, embora eles estejam realmente abaixo da média do funcionalismo público federal. Nem no reduzido orçamento, que de fato está sendo cortado ano após ano. E muito menos na redução da quantidade de meios operativos. O valor desta carta reside neste ponto: todos os problemas que serão abordados podem ser resolvidos dentro de casa, através de iniciativas internas, independentes de orçamento, e – o pior – em pouquíssimo tempo, por meio de decisões administrativas simples, que não são tomadas por má-vontade, orgulho, miopia administrativa ou apego demasiado a uma tradição caduca, que emperra e desagrega esta Força, ao invés de uni-la em laços comuns, na medida em que origina ações e ordens contraproducentes que contribuem sobremaneira para o mau andamento do serviço.

Compreendemos que as Forças Armadas, conceitualmente, exercem um papel primordial na manutenção da paz, na dissuasão de hostilidades estrangeiras e na consecução dos nossos objetivos estratégicos como nação – assim como consta nas tão festejadas apostilas da Escola de Guerra Naval. Ainda mais, acreditamos e gostaríamos que essas metas fossem alcançadas, com seriedade e profissionalismo. O problema é que também compreendemos quão diametralmente opostas desses objetivos estão as decisões e atitudes tomadas por nossas autoridades, que destinam porções generosas dos recursos para a pintura incessante de equipamentos que já não funcionam por falta de recursos. Que se apropriam das já parcas etapas de alimentação e as transformam compulsoriamente em “sobras lícitas”, de modo que possam comprar parafusos, tinta, cera e bancar coquetéis para almirantes que festejam a decadência da própria Força. Que investem milhões de reais do contribuinte na compra e manutenção de meios já defasados, que onerarão ainda mais o orçamento, já que os próprios países de origem não toleram seu custo-benefício, isto se considerando que são países ricos. E, o pior, cada atitude dessa vem travestida de honradez e pundonor. A pintura de piso, de sucata, de ferrugem (somente para o dia de uma visita), se reveste do caráter de limpeza e organização, de modo que não fira os olhos de uma autoridade que reluta em não ver a realidade. O saque da nossa mesa vira espírito de sacrifício, o que vem acompanhado de manipulação das notas fiscais para que a comprovação de gastos com solda seja transformada em aparelhos de TV para a tripulação. E a aquisição de “novos” meios deteriorados é motivo de orgulho das autoridades, que se gabam de fortalecer a instituição em tempos de dificuldades, ainda que tenham comprado o refugo de outros países. Esses meios NÃO irão contribuir para a soberania da nação – não andam, nem funcionam, e ainda exporão a vida da tripulação a um risco desnecessário, pois nossos navios não possuem mais portas estanques, nem sistemas de combate a incêndio eficientes, e suas instalações funcionam na base do “gatilho”, sendo isto um dos grandes geradores da sobrecarga de trabalho à qual nossas praças e oficiais de baixa patente estão submetidos.

A chave para se compreender o choque de gerações que ocorre em nossos tempos é a divulgação da informação. O movimento conhecido como Tenentismo, um conhecido de longa data, se manifesta atualmente enriquecido e ligeiramente modificado, uma vez que não se utiliza mais do embate das armas, e nem possui o fervor patriótico de outrora. Com a Internet, ficou muito difícil para o sistema de formação de oficiais privar os alunos e aspirantes da realidade reinante, como acontecia antigamente na chamada “bolha”. Hoje, é praticamente impossível realizar uma lavagem cerebral completa, que torne o militar subserviente o necessário, pois a visão de mundo que um jovem tem não o permite – e essa é a causa de tantos oficiais superiores reclamarem que “não se fazem mais tenentes como antes”. Eu e meus colegas enxergamos a Marinha como mais um órgão estatal, que tem suas funções específicas definidas em lei, e atualmente não está executando-as de forma adequada; não vamos tomá-la pelas armas, nem nos insurgirmos em revoltas. Não, nós não amamos a Marinha acima de nossas próprias vidas, pois isso sequer faz sentido. E entendemos que o mercado de trabalho também mudou, inclusive na iniciativa privada, onde ninguém mais tem um emprego para a vida toda; aplicamos isso em nossas vidas particulares e decidimos que podemos trabalhar onde melhor nos convier, seja por pagar melhor ou ter uma rotina de trabalho mais agradável, e isso sem o peso na consciência de largar o “sacerdócio”. É muita inocência achar que iremos abdicar, conhecendo nossa capacidade, competência, potencial e qualificação, de carreiras públicas que nos oferecem dignidade pessoal, respeito profissional, horário de trabalho justo e, de quebra, remuneração inicial de Contra-Almirante.

Para estudar para meu concurso, tive de fazê-lo em oculto, sob pena de ser execrado do convívio da Força ou perseguido. E fui punido por não ter comunicado minha inscrição, assim como preconiza a retrógrada legislação vigente. Porém, fica o aviso de que o número de oficiais descontentes que agora estudam escondidos é muito maior do que os mais de 30 tenentes que cancelaram seu Curso de Aperfeiçoamento nos últimos dois anos e do que a turma somente de Aspirantes que fechou uma sala exclusiva na Academia do Concurso Público.

Há de ser ressaltado que a geração de oficiais superiores e almirantes atualmente no comando foi formada durante o regime militar ou no pós-regime, uma época bem mais intensa nos valores e também nas arbitrariedades. O mundo mudou, as relações sociais, econômicas e empregatícias também, mas a Marinha insistiu em cristalizar-se novamente em suas tradições, e quanto mais o tempo passa mais esta instituição se afunda num anacronismo intenso. O mundo realmente pode ter mudado muito rápido para que algumas autoridades pudessem ter absorvido, mas é para tentar mudar um pouco essa mentalidade que passo a discorrer sobre algumas das principais causas de insatisfação na Marinha do Brasil:

SERVIÇO

As Forças Armadas possuem uma singularidade em relação a outros órgãos e empresas, sejam públicas ou privadas: submetem seus militares a mais de 24 horas de trabalho contínuas. Isso seria simplesmente imprescindível caso estivéssemos em tempo de guerra. Mas considerando-se que nossos maiores inimigos são a sujeira do piso e o amarelo por fazer, não há respaldo para essa prática. Após o serviço, o militar não deve cumprir o expediente normal, visto que foi privado da sua noite de sono, tempo de lazer e convívio com a família. Médicos e policiais cumprem seus plantões (e muitas vezes conseguem descansar neles), são rendidos pela manhã e vão para casa. A carga horária semanal não deveria, constitucionalmente, exceder as 44 horas semanais – embora batamos com orgulho no peito nos vangloriando de que não possuímos direito algum – mas, com apenas um serviço na semana essa carga sobe para 56 horas. Numa escala muito comum, 3 por 1, o militar pode chegar a cumprir 80 horas semanais, sem nenhum tipo de compensação. É comum que cabos e marinheiros concorram a escalas de 1 por 1, sendo liberados, como um favor, ao meio-dia do dia de sua rendição. Eles cumprem 108 horas semanais, 145% a mais do que permite nossa Constituição, que defendemos com o sacrifício da própria vida.

Durante o serviço nos fins-de-semana, é comum a prática de detalhar “faxinas” a serem realizadas no tempo vago – seja lá o que isso for. Durante o dia, o militar deve se desdobrar em 2 quartos de quatro horas, sendo um de madrugada, além de cumprir os adestramentos previstos. Nessas oito horas, ele permanece em geral em pé, no calor do sol e no frio da madrugada, e, para que não consiga se refazer entre um quarto e outro, é colocado para tratar conveses, limpar corredores ou soldar chapas no seu tempo vago. Será que perder o seu descanso semanal remunerado não é o suficiente, o militar tem que sentir dor o tempo todo? Nesta Força existe um conceito muito errado de que nossos militares são máquinas que devem produzir em tempo integral e de que qualquer tempo ocioso, incluído o de descanso, é desperdício.

Os oficiais são obrigados, em geral, a permanecer em pé no portaló durante seu serviço – desde 06:00h, para fiscalizar(?!) o quarto d´alva –, visando basicamente a realização de cerimonial para visitas de autoridades não-anunciadas e a manutenção do alerta vermelho máximo para a passagem de lanchas de almirantes. Considero isso um desrespeito à minha formação e capacidade intelectual, uma vez que sou relegado a um mero soldado de chumbo, enfeitando um portaló, enquanto sou subaproveitado nas minhas tarefas administrativas. Cabe às autoridades definirem: o que é mais importante, um cerimonial que pode vir a acontecer ou a realização das tarefas administrativas vitais do navio? Sempre achei que tivesse estudado demais para ter simplesmente a função de ficar em pé por mais de 10 horas seguidas. O oficial de serviço pode sim, muito bem, ficar volante no navio, e atender situações que realmente façam jus à sua presença. Quanto ao procedimento das visitas não-anunciadas, já está na hora das autoridades se conscientizarem de que a máquina estatal não pode ficar completamente mobilizada simplesmente aguardando seu repentino aparecimento, de modo a louvá-las e engrandecê-las.

É comum que se avalie a escala de serviço como “muito cochada”, se arbitre uma satisfatória e depois se inventem postos desnecessários para se justificar esse aumento, de modo que não fiquem militares à toa, “sobrando”, como se a folga da escala representasse mão-de-obra ociosa. Lembro também de quando estava na Escola Naval, onde o segundo-anista não poderia pegar menos serviço do que o terceiro-anista, e então criaram um “plantão do bar” para piorar a vida do segundo ano, e, comparativamente, melhorar a do terceiro (redistribuindo, assim, as cotas de infelicidade). Essa prática é muito comum também na Esquadra, matriz do “Caldeirão Naval”, onde a escala do oficial não pode ser maior do que 5 por 1 e já houve caso de mais de três oficiais estarem de serviço em um mesmo dia desnecessariamente. Sei que um oficial pode se qualificar para concorrer à escala em mais de um navio, assim como eu mesmo já fui qualificado, e sem muito esforço; durante o expediente, cada navio poderia ter seu próprio oficial de serviço para resolver problemas administrativos, e, após, somente um dos oficiais se responsabilizaria pelos navios durante o pernoite. Ou então, os oficiais de serviço poderiam simplesmente ficar de sobreaviso, com um celular. Como a manutenção do Grupo de CAv geralmente é citada como impeditivo para a diminuição da tabela como um todo, lanço a V.Sas. um desafio: arquitetar um plano de combate a incêndio efetivo que se utilize somente dos militares de serviço. Isso se mostra na prática inviável, pois combater um incêndio com doze ou oito militares dá no mesmo – teremos que disparar o Halon ou chamar a brigada de bombeiros e GSE. Ressalto que a quase totalidade dos incidentes decorre da presença de pessoal a bordo, ou seja, quanto mais gente houver na tabela de serviço, maior será a quantidade de pessoas necessária para cuidar da tabela de serviço. Só haverá incêndio na cozinha se ela for utilizada, incêndio na coberta se esta estiver habitada, rompimento de rede se estiver pressurizada. A manutenção de uma tabela de serviço que pernoite a bordo é a causa mater dos sinistros, e sua diminuição ou extinção alteraria sobremaneira o paradigma do CAv. E, afinal de contas, se CAv fosse tão importante, as tomadas de incêndio não deveriam estar entupidas com Kaol.

COMISSÕES

Sem esquecermos que, dentre as profissões do mar, só os pescadores são mais mal-remunerados do que nós, podemos fazer algumas considerações.. Se é fato que nossa compensação pecuniária é irrisória, então que haja compensação como há na Petrobrás: seja adotada a escala de 15 por 15, pelo menos (ou seja, um dia de licença para cada dia de comissão), sem se falar na escala de 14 por 21 adotada por aquela empresa, que é considerada de vanguarda até no âmbito internacional, e, logicamente, deve possuir uma capacidade administrativa de referência. Realmente somos homens de madeira em navios de ferro, e merecemos descanso depois desta atividade tão ingrata, que é se fazer ao mar, já que nem fazemos jus à compensação orgânica. Seria implausível abrir mão dos militares por tanto tempo? Creio que não, considerando que em cada dia de mar estamos 24h a serviço, período de tempo três vezes superior ao nosso expediente normal. Se a Marinha inventou tantos obstáculos administrativos de modo que uma tripulação operativa não possa se ausentar para ter descanso, que se transfiram essas responsabilidades para uma unidade administrativa, bastando uma alteração em DGPMs, SGMs, ou qualquer outro pedaço de papel. Afinal, alguém deve dar suporte aos nossos militares, ou não?

Sendo o mar um ambiente inóspito por natureza, os tripulantes ainda são obrigados a cumprir expediente entre o enjôo e o serviço, embora o navio esteja em um período dedicado à vida operativa. Um mínimo de descanso e conforto é necessário ao marinheiro para que realize suas tarefas a contento e ajude a diminuir o stress que naturalmente surge em condições de afastamento e confinamento.

Por último, o que considero mais desrespeitoso: obrigar a tripulação a baldear e pintar o navio no dia do regresso de uma comissão, sem ao menos terem tido a chance de verificar como estão seus familiares. A pintura não pode ser - ou transparecer que é - mais importante do que nossas famílias.

ROTINA E ADMINISTRAÇÃO

Consideramos como nossas prioridades administrativas a desburocratização, a impessoalidade (nisto também subentendida a extinção do queromarinst, a mais arbitrária, arcaica e amadora forma de gerência existente), a definição de objetivos claros que devam ser alcançados e de prazos razoáveis a serem cumpridos – todas as nossas tarefas costumam ser “pra ontem”, revelando o descompasso do nosso planejamento organizacional, e o uso racional do dinheiro público. Por isso, não aceitamos pintar o piso para a visita de uma autoridade, ou pintar o navio antes mesmo de atracar, após três meses de comissão, como se retornasse da Terra-do-Nunca: isso é desperdício. Não aceitamos que se sirvam banquetes para autoridades, e depois compensem com semanas servindo macarrão com salsicha para a tripulação: isso é desrespeito. Inclusive, se há a coragem moral nesta Força de que tanto se ouve falar nas Praças d´Armas, então que se sirva para as autoridades extra-MB que visitarem nossas OMs o mesmo rancho que comemos diariamente. Esta é a melhor maneira de protestar pelo corte de nossos recursos. E, que, finalmente, a Marinha entenda que manutenção de limpeza e arrumação não é nossa função constitucional. Enquanto houver Capitães-de-Fragata passando os dedos com luva em cima de armários não poderemos nos concentrar nas tarefas que realmente importam.

Assim como eu chego sem atrasos todo dia, em um horário definido, gostaria que a licença fosse cumprida desta mesma forma. O licenciamento não é um favor, muito menos concessão do comando: é uma obrigação com o militar que já cumpriu seu expediente diário. Não há como solucionar todos os problemas da MB em um único dia (e cabe ressaltar que a maior parte dos nossos problemas são explicitamente gerados pelas idiossincrasias de nossos oficiais superiores e almirantes, que desejam governar este órgão como melhor lhes parecer, satisfazendo suas prioridades pessoais e relevando as da organização). E se for necessário ficar após o horário, que haja compensação noutro dia. Além disso, a maior humilhação à qual me sujeitei durante estes mais de quatro anos de oficial foi suplicar, diariamente, para poder ir embora após cumprir meu expediente. Nós simplesmente não temos que nos despedir, como um ato de educação, mas ficamos atrelados a uma AUTORIZAÇÃO para irmos embora, o que gera um mal-estar horrível após ser repetido duas centenas de vezes, e ainda nos atrasa, em pelo menos, quarenta minutos por dia, tempo médio para vencer as filas dos nossos superiores nas mais diversas instâncias.

Num passe de mágica, algumas autoridades pensam que podem apagar, através de confraternizações, o dia-a-dia estressante que impõem aos oficiais subalternos e intermediários, tornando todos “uma família” imediatamente. Essas confraternizações são marcadas, em geral, fora do horário de expediente, e são compulsórias, tornando-se um prolongamento (realmente longo) deste. Minha geração não troca o convívio de suas famílias por amigos de copo, e amizade verdadeira não exige comparecimento contrariado. Se todos estivessem satisfeitos, o congraçamento seria conseqüência natural. Quando o coquetel é realizado durante o dia, mostra-se mais um revés interessante: passam-se três horas ou mais de expediente no evento, e julga-se que isso não é errado – esse tempo desperdiçado exige, invariavelmente, uma dedicação suplementar para resolver as tarefas negligenciadas. Mas quando é necessário a um oficial sair mais cedo para resolver um problema, ele fica sendo mal visto. Isso é um exemplo clássico da nossa cultura: pode-se matar o expediente para beber, mas não para tratar de nossa vida pessoal.

Como resultado de alguma carência afetiva, certas autoridades ficam nervosas se não receberem o bom dia, ou o boa noite. Esta é uma frivolidade que deve ser encarada da seguinte forma: as pessoas têm coisas mais importantes para fazer do que dar boa noite compulsoriamente umas às outras. Esse evento ocorre naturalmente ao haver um encontro fortuito entre duas pessoas educadas, e não deve ser objeto de recomendações intimidadoras ou ordens de parada.

Por se falar em parada, esta consiste em uma das melhores formas de desperdiçar mão-de-obra. Como se ninguém soubesse sua função na OM, reúnem-se os oficiais para se despacharem ordens geralmente de caráter individual, ou se fazem verdadeiros grupos de discussão sobre assuntos aleatórios e fantásticos, enquanto todas as praças aguardam em formatura. Em suma, a OM fica parada por quase uma hora e depois se estende o expediente após o horário. Definitivamente, isso não é GQT. A parada pode ser feita por e-mail e os assuntos individuais, tratados individualmente...

Assunto grave e delicado: caixa de economias. Se, hoje mesmo, o governo dobrasse nossa etapa de alimentação, melhoraríamos o padrão do nosso rancho ou dobraríamos nossa receita? Se é difícil trabalhar na escassez do orçamento, que se apliquem pelo menos os recursos corretamente na sua previsão legal. Não existem “sobras lícitas”, pois na realidade não há sobras. Esta sobra artificial é criada quando se estipulam metas financeiras a serem atingidas em detrimento da qualidade de vida de nossas tripulações; como, então, exigir comprometimento? Como ser leal com quem nos retira o bife para comprar parafusos, tinta e souvenires para autoridades? Se não há previsão orçamentária para nossas despesas correntes e manutenção dos meios, então que nossos almirantes parem de ter medo de apertar quem se deve, nosso governo (se bem que apertar a própria Força é mais fácil e não arrisca a nomeação para cargos na ONU), e EXIJAM que sejam repassados os recursos necessários. Mas o que vi todos esses anos é que é mais cômodo exigir a excelência dos mais modernos, exaltando a “criatividade”, como ouvi em tantas Ordens do Dia, quando na verdade não existem ferramentas adequadas, computadores em condições de uso ou nem sequer pano para limpeza, que deve ser reaproveitado até depois de rasgado. Esse é o exemplo de coragem e abnegação a ser seguido no Bicentenário de Tamandaré?

Finalmente, o mais grave, por se tratar de crime: química. É inadmissível que se exija dos subordinados que se mascarem notas fiscais a fim de burlar o controle orçamentário que a própria Marinha idealizou e exportou para a Administração Pública com tanto orgulho. É desnecessário me aprofundar neste tema, mas eu alerto a todos que julgam que “os fins justificam os meios” que a grande quantidade de oficiais descontentes que foram aprovados como Analistas do TCU e na Polícia Federal recentemente pode vir a mudar o destino de quem tem grande prazer em resolver os problemas de bordo a qualquer custo, se achando acima da lei, ou que pensa que pode se explicar a um magistrado dizendo que o fez “em prol do serviço”. Oficiais que desejam fazer o que julgam correto são mal vistos e retirados de suas funções para não atrapalharem o “bom” andamento do serviço. E isso também se aplica à venda ilegal de óleo combustível.

Embora não haja espaço nesta carta para citar todos os nossos vícios, como, por exemplo, a forma amadora de condução do reparo de um navio, esses são, no meu ponto de vista, alguns dos principais problemas geradores da desmotivação que se alastra pelos Oficiais Subalternos e Intermediários na Marinha, e são a causa do êxodo que vem ocorrendo. Eles são mutáveis, pois são concernentes à postura das nossas autoridades. A pena que as FFAA e, em especial, a Marinha, pagará, se não corrigir este problema postural, será ter uma lacuna irreparável em seus postos a médio e longo prazo. Se nossos almirantes decidirem descer dos pedestais e encararem a situação como homens valorosos que são, entenderão que este é um momento de guerra e medidas difíceis devem ser tomadas. Entendam: esta Força, como hoje conhecemos, não vai subsistir, nem de um modo, nem de outro. Se essas mudanças não forem feitas agora, as baixas em massa serão cada vez mais freqüentes e mais fortes, e, quando o remanescente da minha geração chegar ao comando, as fará. Se forem tomadas agora, a Marinha se tornará um lugar agradável de se trabalhar e muitos corações que hoje estão inclinados a sair podem retroceder. Não se enganem, existem Aspirantes do 2º ano estudando para concursos, e também Capitães-Tenentes em postos-chave, sendo que a média de espera para aprovação em um concurso é dois anos. É uma decisão a ser tomada rápido, antes que haja um colapso administrativo, e não existe como prender as pessoas com ameaças de indenização de cursos – o que, aliás, é inconstitucional.

É hora de rever as políticas de motivação e de aposentar o “Manual de Liderança da Marinha”: parar de movimentar militares contrariados quando houver voluntários; respeitar a programação de férias que o militar fez com sua família com seis meses de antecedência; não tocar regresso geral fim-de-semana para comparecer a uma regata (teoricamente, isso é lazer); não exigir de todos nós que demos um “jeitinho” quando não houver previsão orçamentária (o famoso “fazer no amor”); não colocar como prioridade do nosso serviço o apito para lanchas de autoridades, sob o risco de receber uma mensagem exigindo apuração do fato; parar de achar que nossa oficialidade vai ter como sonho de vida tão somente esperar talvez ser Almirante dentro de trinta anos. Estas medidas surtirão muito mais efeito na qualidade do nosso trabalho do que qualquer “Programa Netuno”, recém-divulgado, que já nasce com uma incongruência típica: enquanto toda a Administração Pública Federal terá oito anos para sua implementação, a Marinha implementará seu “pacote de qualidade” em um ano, com a famosa fórmula “embrulha e manda”, se valendo do mascaramento de índices e avaliações.

Quanto a mim, sei que vou servir melhor ao meu País no TRE do que na Marinha, porque cansei de servir com amadores. Cansei de jogar dinheiro pelo ralo e de ver boas idéias se perdendo num labirinto de vaidades, priorizando-se limpeza e arrumação ao invés de segurança nacional. Cansei de pertencer a um celeiro de alcoólatras e pais ausentes; terei efetivamente tempo para me dedicar à minha família e viver dignamente, como não faço desde 19 de janeiro de 1998. E se alguém que ler esta carta se propuser a refutar meus argumentos, estarei à disposição, pois nunca fui de me fechar ao debate por uma simples questão hierárquica.

MARCIO DE ABREU PRAÇA CARDOSO
Primeiro-Tenente (RM2)
Analista Administrativo TRE-RJ
E-mail: tenente_cardoso@hotmail.com




Friday, November 09, 2007

Se real fosse, seria a melhor solução para:
O próprio Fidel, Lula, Chávez, Evo, Correa, Ortega, os Kirchner, etc


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RECADO AOS "CAMARADAS" ...
"Para o bom entendedor meia palavra basta!"

"O mundo é perigoso não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa daqueles que vêem e deixam o mal ser feito."

Albert Einstein








 
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